Jair Bolsonaro acusa a CPI de promover um “carnaval fora de época”. Depoimento de Pazuello pode ser a Quarta-Feira de Cinzas
30 de abril de 2021 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro acusou a CPI da Pandemia de promover um “carnaval fora de época”. A folia, em sua concepção, é protagonizada pelo bloco de independentes e oposicionistas, maioria na comissão. Para o presidente, esses desafetos exploram politicamente a CPI para prejudicá-lo, poupando governadores e prefeitos que, segundo ele, são os verdadeiros responsáveis pela tragédia da pandemia por terem “roubado” o dinheiro que o governo federal lhes repassou para enfrentar a crise.
“A CPI vai investigar o quê? Eu dei dinheiro para os caras (governadores e prefeitos). O total foi mais de R$ 700 bilhões, auxílio emergencial no meio. Muitos roubaram dinheiro, desviaram. Agora vem uma CPI investigar conduta minha?”, declarou o presidente.
A tática de Bolsonaro é confundir a opinião pública com a versão de que o governo federal fez sua parte, enviando dinheiro aos Estados e municípios – e se esses recursos foram “roubados” por “esses caras”, conforme o linguajar primitivo do presidente, que os verdadeiros responsáveis sejam punidos.
Sabe-se que efetivamente há casos de malversação do dinheiro destinado à emergência sanitária, mas estão muito longe de constituir um padrão, como Bolsonaro quer fazer parecer. Além disso, o valor mencionado pelo presidente mistura ajuda específica para a pandemia com repasses constitucionais regulares, na expectativa de que eleitores desinformados não saibam fazer a diferenciação.
A intenção bolsonarista, claro, é causar tumulto, escamotear a responsabilidade do presidente e incitar uma revolta contra os governadores insinuando que são corruptos, autoritários e sabotadores das ações benemerentes do presidente – que, nesse enredo delirante, desempenha o papel de campeão dos desempregados.
Mas a CPI da Pandemia não se deixou intimidar pela ofensiva bolsonarista. Em seu primeiro dia de trabalho, a comissão aprovou a convocação dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, além do atual ministro, Marcelo Queiroga, e do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres. Ademais, deu cinco dias úteis para que o Ministério da Saúde envie informações sobre o enfrentamento da pandemia, compra de vacinas, medidas de isolamento social e distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada.
Ou seja, a comissão, no dia em que o Brasil ultrapassou a trágica marca de 400 mil mortos em decorrência da covid-19, deixou claro que seu foco será o trabalho do governo federal na pandemia, como deve ser.
Bem que o governo tentou transformar a CPI num “carnaval fora de época”. Além do reiterado discurso de Bolsonaro contra governadores, os aliados do presidente tentaram inundar a comissão com requerimentos e pedidos de informação, com a intenção de travá-la. Vários desses requerimentos, que convocavam “especialistas” que defendem o uso de cloroquina contra a covid-19, foram produzidos dentro do Palácio do Planalto – o que é em si um absurdo, já que comissões parlamentares de inquérito são, por definição, um instrumento do Legislativo para fiscalizar o Executivo.
Mas o “carnaval” não parou por aí. Os senadores governistas tentaram mais uma vez impedir na Justiça que o senador Renan Calheiros continuasse na relatoria da CPI. De novo foram malsucedidos: o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, entendeu, como é óbvio, que a indicação de Calheiros constitui “matéria de cunho interna corporis” e, portanto, “escapa à apreciação do Judiciário”.
Em paralelo, as milícias digitais bolsonaristas foram acionadas para difamar nas redes sociais os senadores críticos do governo e também alguns dos convocados para depor na CPI, como o ex-ministro Mandetta. Na mesma toada, Mandetta, que tem sido bastante contundente em suas acusações contra Bolsonaro, foi alvo de dossiês apócrifos enviados nesta semana a parlamentares.
Tudo em vão, pois o governo foi derrotado em todas as suas investidas. E o que se espera é que esse “carnaval” bolsonarista na CPI tenha no depoimento do assombroso ex-ministro Pazuello, programado para a próxima quarta-feira, a sua Quarta-Feira de Cinzas.