‘Testemunhos à CPI confirmam quadro de irresponsabilidade’

By | 16/05/2021 7:46 am

As provas gritam

A sucessão de testemunhos atestando, na CPI da Pandemia, a insanidade da conduta do governo na crise confirmou o quadro de irresponsabilidade

Notas&Informações, (Editorial) O Estado de S.Paulo, 16 de maio de 2021

Bastaram duas semanas de trabalho para que a CPI da Pandemia reunisse evidências suficientes a respeito da negligência do governo de Jair Bolsonaro nos diversos aspectos do combate à covid-19, em particular na aquisição de vacinas.

Nada do que veio à luz era desconhecido dos brasileiros, mas a sucessão de testemunhos atestando, sob juramento, a insanidade da conduta do governo na crise confirmou o quadro de irresponsabilidade que nos trouxe até aqui – com mais de 430 mil mortos, uma pandemia fora de controle e um sistema de saúde à beira do esgotamento.

A esta altura, o esperado depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, sob cuja gestão a tragédia adquiriu contornos de escândalo, pouco teria a acrescentar, na prática, ao que já se sabe.

Ainda assim, é sintomático que o intendente tenha solicitado habeas corpus para ficar calado na CPI, sob o argumento de que não pode produzir provas contra si mesmo, pois já é investigado sob suspeita de, como ministro, ter contribuído para o caos na saúde em Manaus, onde pacientes de covid-19 morreram sem oxigênio.

No caso de Pazuello, qualquer coisa que venha a dizer à CPI será prova de sua incompetência e comprometerá seu ex-chefe, o presidente Bolsonaro, a quem declarou publicamente total submissão. Por isso, tanto a desculpa esfarrapada que Pazuello inventou para não comparecer à CPI na data inicialmente marcada como seu anunciado silêncio são uma tácita admissão de culpa.

A responsabilidade do governo é tão cristalina e o desfecho da CPI, tão óbvio, que Bolsonaro parece ter concluído que só lhe restou a alternativa de tumultuar os trabalhos da comissão. O grotesco espetáculo do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, ofendendo o relator da comissão, Renan Calheiros, faz parte dessa tática – confirmada pelo próprio presidente Bolsonaro ao também xingar o senador Calheiros.

A algazarra bolsonarista, contudo, não foi capaz de abafar o impacto da detalhada descrição, na CPI, das muitas oportunidades desperdiçadas pelo governo para adquirir vacinas. Diante do que foi exposto, não é absurdo inferir que talvez o presidente Bolsonaro tenha recusado as vacinas não só porque menosprezou a doença, mas porque acreditou no que os lunáticos que o aconselham chamam de “imunidade de rebanho”.

Como se sabe, atinge-se a “imunidade de rebanho” quando uma grande parte da população é vacinada, criando-se assim uma barreira contra a expansão da contaminação. Outra maneira de obter a “imunidade de rebanho” é, na ausência de vacina, permitir a expansão da doença de modo a desenvolver imunidade na maior parte da população. No caso da covid-19, contudo, por ser uma doença mortal, essa opção nem deveria ter sido cogitada – a não ser que a morte de milhares de compatriotas não signifique nada para Bolsonaro, o que parece ser o caso.

Em abril do ano passado, Bolsonaro declarou que, “como dizem os infectologistas, 60%, 70% da população será infectada e só a partir daí nós teremos o país considerado imunizado”. Essa convicção, ditada pelos “infectologistas” das redes sociais, provavelmente foi decisiva para que o presidente, depois de desdenhar do vírus, trabalhasse contra a imunização – e receitasse cloroquina para os doentes.

Inventou várias desculpas para não comprar vacinas: citou supostas cláusulas “leoninas” nos contratos com farmacêuticas – que são aplicadas em todo o mundo; disse que não compraria imunizantes sem aprovação prévia da Anvisa, o que jogou o Brasil para o fim da fila da vacinação no mundo; e descartou pressa para comprar vacinas porque, segundo disse, os fabricantes é que deveriam demonstrar interesse em vender para o Brasil.

Tudo somado, é lícito supor que Bolsonaro na verdade nunca quis a vacina – a ponto de sabotar o imunizante do Butantan, sem o qual quase ninguém no Brasil estaria vacinado. Certo de que a “gripezinha” logo passaria, também fez campanha sistemática contra medidas preventivas e restritivas, que certamente salvaram muitas vidas.

Assim, o ex-ministro Pazuello pode até calar na CPI, mas as provas gritam.

 

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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