Festival de mentiras na CPI é para tentar salvar Bolsonaro, que está comprometido até a medula por atos, omissões e falas sobre vacinas, isolamento, máscaras e cloroquina
Eduardo Pazuello, Ernesto Araújo e Fabio Wajngarten cumpriram o mesmo papel na CPI da Covid: mentir, para negar o negacionismo e acobertar os erros óbvios do presidente Jair Bolsonaro no combate a uma epidemia que já custou a vida de mais de 440 mil brasileiros. A célebre frase de Pazuello, “um manda, outro obedece”, virou “um não manda e não sabe de nada, todos os outros fazem tudo como bem entendem”.
É para rir ou para chorar? O general Pazuello jura que nunca foi desautorizado pelo presidente, o diplomata Araújo garante que não causou atritos com a China, Wajngarten esqueceu que acusara o Ministério da Saúde da era Pazuello de “incompetência”. Há, porém, vídeos, áudios, textos e reportagens nas várias mídias provando o oposto. De celulares em punho, os senadores exibem áudios que trituram as mentiras.
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No caso de Pazuello: num dia, ele anunciou, para governadores, a compra de 46 milhões de doses da Coronavac; no dia seguinte, Bolsonaro disse que ele é quem manda, não abre mão da sua autoridade e não compraria “vachina” nenhuma; no terceiro dia, os dois confraternizaram: “um manda, outro obedece”.
No caso de Ernesto Araújo: está documentada, antes e durante sua passagem no Itamaraty, a enxurrada de desaforos e delírios contra a China, que, não bastasse ser o nosso maior parceiro comercial, é o maior produtor de vacinas do mundo – e das únicas vacinas usadas no Brasil até 29 de abril deste ano. Para ele, a China quer destruir os valores cristãos e o próprio Ocidente.
E, no caso de Wajngarten, que ocupava a Secretaria de Comunicação quando se envolveu – sem sucesso, aliás – na negociação das vacinas da Pfizer: para azar dele e sorte da verdade, sua entrevista à revista Veja está gravada e a acusação de “incompetência da Saúde” é bem audível.
Só precisa mentir quem não pode dizer a verdade. Logo, o festival de mentiras na CPI é para tentar salvar Bolsonaro, que está comprometido até a medula por atos, omissões e falas sobre vacinas, isolamento, máscaras, cloroquina. O papel da comissão é consolidar, divulgar e amplificar o que só não viu e não sabe quem não quis e não quer.
As mentiras de Pazuello não são novidade, mas continuam chocantes. No primeiro dia, ele mostrou-se muito bem treinado e os senadores pareciam despreparados, o que bastou para uma onda de alívio no Planalto e no Exército. Ontem, a estratégia da cúpula e da oposição e dos independentes mudou: os senadores falaram muito, apontando os erros do governo e do presidente, dando pouca chance para Pazuello falar e mentir.
Ele, porém, já começou dizendo que é “um oficial-general “e oficial-general não mente”. Imagine se mentisse… E, ao insistir em negar que a Saúde tivesse criado e usado o aplicativo TrateCov, para massificar a cloroquina, saiu-se com essa: “Foi um hacker que postou”. Nem o presidente da comissão, o equilibrado Omar Aziz, aguentou: “Muito competente esse hacker, botou até na TV Brasil!”
Não dá ainda para prever o desfecho da CPI, mas ela já cumpre o seu primeiro objetivo: consolidar e jogar luzes nos erros de Bolsonaro e seu governo na pandemia. A comissão é, assim, educativa, mobilizadora, e já está sendo apelidada de “novo BBB”, ao cativar milhões de atentos brasileiros na TV, rádio, internet.
E, se Pazuello, Ernesto Araújo e Wajngarten, que também faziam tudo o que ele mandava, já foram demitidos, Bolsonaro perdeu o timing para se livrar do queridinho Ricardo Salles, do Meio Ambiente, outra área crítica do governo e alvo da PF. Com isso, e com o “tratoraço”, ele perdeu também o discurso de que não há escândalos no seu governo (noves fora as rachadinhas anteriores…). A situação de Bolsonaro, portanto, não é nada, nada confortável.