Os ‘rolos’ e os enrolados

By | 29/06/2021 3:02 pm

Jair Bolsonaro e seus auxiliares podem jurar inocência, mas há muito a explicar depois das denúncias feitas na sexta-feira à CPI

(Editorial do Estadão, 29/06/2021)
O presidente Jair Bolsonaro jacta-se de não haver um único caso de corrupção em seu governo, mas a simples declaração de honestidade não torna o governo honesto. É preciso demonstrar, diariamente, cuidado com a administração dos recursos públicos, impedindo o mau uso e a locupletação por parte de espertalhões.

Assim, Bolsonaro e seus auxiliares podem jurar inocência, mas há muito a explicar depois das denúncias feitas na sexta-feira passada à CPI da Pandemia por um funcionário do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, e seu irmão, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF).

Para resumir, o funcionário relatou que foi pressionado por sua chefia no Ministério da Saúde a dar andamento à compra da vacina indiana Covaxin a despeito de diversas irregularidades no processo. Já o parlamentar contou que levou a informação pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro, que prometeu tomar providências.

Até onde se sabe, nenhuma providência foi tomada, e o contrato suspeito continuou válido. O vultoso negócio, de R$ 1,6 bilhão, foi feito a toque de caixa – em notável contraste com a demora do governo em adquirir outras vacinas.

Também ao contrário do que aconteceu em outras negociações, nesta o governo não pechinchou, pagando pelo imunizante um valor mais alto do que o de outras vacinas – que demoraram a ser adquiridas, segundo o governo, porque, entre outras razões, estavam muito caras.

Além disso, a Covaxin, no momento da assinatura do contrato, ainda não havia sido liberada pela Anvisa, embora o presidente Bolsonaro tivesse garantido que só compraria vacinas aprovadas pela agência sanitária – que, ademais, fez diversas ressalvas sobre a qualidade do laboratório indiano e sobre a vacina em si.

Por fim, mas não menos importante, o negócio com a Covaxin foi o único a ter um intermediário, e cujo pagamento teria que ser feito, adiantado, num paraíso fiscal para uma empresa cujo nome não constava do malfadado contrato.

Segundo o deputado Luís Miranda disse à CPI, o presidente Bolsonaro, ao ser informado por ele sobre o caso, disse que era “mais um rolo” do deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara. E teria acrescentado que “se eu mexo nisso aí já viu a m… que vai dar”.

Ricardo Barros, veterano do Centrão, é apontado como padrinho da indicação da servidora responsável por dar continuidade ao contrato da Covaxin a despeito das irregularidades. Além disso, o dono da empresa intermediária é sócio de uma firma que, em 2017, quando o ministro da Saúde era Ricardo Barros, vendeu remédios ao Ministério da Saúde e não os entregou – irregularidade pela qual Barros se tornou réu em processo por improbidade administrativa.

O que Bolsonaro teria chamado de “rolo” é, portanto, aparentemente extenso e com muitas ramificações. Se de fato nada fez ao tomar conhecimento das irregularidades, Bolsonaro cometeu prevaricação, um dos tantos crimes de responsabilidade que podem embasar um processo de impeachment – palavra incômoda que tornou a surgir no horizonte de Brasília por conta do escândalo da Covaxin.

A reação do presidente e dos governistas não tranquilizou ninguém. Ao contrário, traiu um nervosismo típico de quem tem algo a esconder. Em vez de mandar investigar o caso, Bolsonaro mandou investigar os denunciantes – e o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, chegou a ameaçá-los. Na CPI, a tropa de choque bolsonarista ficou apoplética e, aos gritos, tudo fez para intimidar os irmãos Miranda.

Em sua defesa, Bolsonaro, mais uma vez, alega ser inimputável: “Eu não tenho como saber o que acontece nos Ministérios, vou na confiança em cima de ministros”. Na época, o ministro era Eduardo Pazuello, que nem respira sem autorização de Bolsonaro.

É espantoso que o presidente alegue candidamente desconhecer um negócio malcheiroso da ordem de R$ 1,6 bilhão. O que não espanta, de nenhuma maneira, é a suspeita de que um capa-preta do Centrão apareça como possível pivô do escândalo, e espanta menos ainda que, por isso mesmo, Bolsonaro não queira “mexer nisso aí” – afinal, o presidente não pode se indispor com quem manda.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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