PEC do Calote, uma ameaça a todo o País

By | 05/11/2021 2:29 pm

Se definitivamente aprovada, a PEC dos Precatórios converterá o calote em direito constitucional, uma de suas muitas consequências desastrosas

 

Além de arrebentar o teto de gastos e facilitar a farra com dinheiro público, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, se aprovada e posta em vigor, transformará o calote em direito constitucional – pelo menos o calote praticado pelo Tesouro da União. Será, talvez, a mais audaciosa reforma promovida pelo desgoverno do presidente Jair Bolsonaro. Além disso, poderá valer como vigorosa resposta a quem cobra do Executivo federal maior empenho reformista. Com essa mudança, argumentam o presidente e seus acólitos, o poder central terá dinheiro para o Auxílio Brasil, versão turbinada do programa Bolsa Família, e a política social será ampliada e reforçada. Já quem se opõe a essa transformação, diz o coro oficialista, pouco deve importar-se, portanto, com os brasileiros em pior situação.

Esse coro inclui o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, fidelíssimo, até agora, a seu grande eleitor para o cargo atual, o presidente Bolsonaro. Graças, em grande parte, ao esforço de Lira, 312 deputados, 4 além do mínimo necessário, votaram a favor da PEC dos Precatórios. Garantiram sua aprovação em primeiro turno, mas ainda faltaria enfrentar o segundo turno na Câmara e dois no Senado. Entre os senadores, segundo se calcula, a resistência ao projeto deve ser maior. Não se pode, no entanto, tratar essa proposta como algo normal e razoável.

Aprovada, a PEC dos Precatórios produzirá vários desastres. Ao converter o calote em direito constitucional, deformará o próprio conceito de precatório, até agora um crédito confirmado e protegido por sentença judicial. Ao retardar a liquidação desse crédito segundo sua conveniência, o Executivo imporá seus critérios a uma determinação do Judiciário. Além disso, uma âncora fiscal inscrita na Constituição, o teto de gastos, ficará subordinada a outro dispositivo constitucional, construído para atender às demandas do presidente e de seus associados. Também a noção de ordem constitucional se enfraquece, como valor, quando mudanças desse tipo – improvisadas e concebidas para servir às conveniências do momento – são aprovadas e inscritas no sistema básico de normas.

Ao desmoralizar uma âncora do sistema fiscal, o presidente e seu séquito, formado principalmente pelo fisiológico Centrão, fortalecem as dúvidas sobre o futuro das contas oficiais e passam um recado sinistro: atropelados os credores dos precatórios, restará alguma segurança para outros credores do governo? Que juros serão compatíveis com o risco de financiar o Tesouro?

Essas perguntas obviamente remetem a outras questões, como a conveniência de buscar segurança em outros mercados. Diante da nova ameaça ao teto de gastos, o dólar voltou a subir, prenunciando pressões inflacionárias mais fortes. O Banco Central já reiterou a disposição de promover um duro aperto, com juros altos, para conter os desajustes associados ao risco fiscal. Menor crescimento econômico e crise social prolongada são efeitos fáceis de prever.

Mas o ataque ao teto de gastos é defendido pelo presidente como condição para ajuda aos pobres. Há quem mencione também uma situação excepcional. São argumentos falsos. Haveria dinheiro, se outros gastos – com emendas de relator, por exemplo – fossem cortados. O auxílio emergencial aos mais necessitados em 2020 foi reduzido à metade em setembro de 2020 e extinto em janeiro. Cerca de 19 milhões de cidadãos foram jogados na miséria.

O auxílio voltou em abril, com menor valor e menor alcance e previsto para acabar antes do fim do ano. Prometeu-se ampliar o Bolsa Família, mas a extensão bastaria apenas para assimilação da fila de espera. Faltaria definir a situação de mais de 20 milhões de assistidos pela ajuda emergencial. Não há uma situação nova, mas um drama prolongado e agravado pela política inadequada. Violando o teto e os precatórios, Bolsonaro tentará conciliar a ajuda eleitoral aos pobres com a manutenção de dinheiro para sua base. O resto é conversa para quem acredita em terra plana.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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