Teto caído soterra Guedes, Moro foi acusado de negocista e Bolsolão revive velha política
[Vinicius Torres Freire. Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA), em 04/11/2021].
O liberalismo de Paulo Guedes sempre foi caricatura. Na noite de quarta-feira, essa fantasia grotesca estrebuchava sob as ruínas do teto de gastos, a grande obra da coalizão liberal que depôs Dilma Rousseff. Na mesma noite, Jair Bolsonaro dizia à Polícia Federal que Sérgio Moro é um tipo negocista, que troca um pedido presidencial por uma nomeação para o Supremo.
No Congresso, a derrubada do teto era conduzida pelo centrão, com auxílio de ministros, com votos sendo cabalados por meio da promessa de emendas parlamentares. A “velha política” sapateava e pedalava sobre a “responsabilidade fiscal” agonizante.
O centrão marombado pelo bolsonarismo contribuiu para o enterro da Lava Jato e ajuda Bolsonaro a rasgar os trapos da sua fantasia liberal, lavajatismo e liberalismo que serviram de desculpa para elites várias subirem na barca do inferno (em última instância, os motivos eram mesmo o antipetismo, a recusa de pagar mais impostos e a acomodação habitual com a incivilidade).
De certo modo, foi uma noite de glória para o capitão das “fake news” e outras patranhas. As maiores promessas da campanha de 2018 brilhavam como mentiras peladas no palco da farsa bolsonarista.
As mudanças mais relevantes para que o país venha a ter uma economia de mercado funcional eram conversa mole do bolsonarismo e da maioria das corporações empresariais que o apoiaram. Sem também reforma tributária e abertura comercial não haverá concorrência e aumento bastante de produtividade, outro nome de crescimento econômico. Mas a pimenta da reforma é boa nos olhos dos outros, não na fuça do capitalismo de compadres e de favor. A zorra macroeconômica acaba com o resto de perspectiva de aumento de renda. O liberalismo à brasileira ataca outra vez.
A direita pode dizer que preferia um Carlos Lacerda ou, vá lá, um Geraldo Alckmin. Na prática e na hipótese mais benevolente, não faz mais do que aderir a picaretagens como a vassoura janista, o caçador de marajás ou o capitão da reação, quando não os financia ou propagandeia com gosto.
As consequências de Bolsonaro são piores. Além de normalizar o autoritarismo, o reacionarismo, a cafajestagem e a tolerância a crimes de responsabilidade, soltou a cordinha do partido militar, agora também fisiológico, e o fantasma da religião como assunto de Estado, que mal e muito mal estavam presos na casinha.
A fraude imensa ficou muito evidente no espetáculo de desnudamento de mentiras desta semana, mas não se trata de um show pontual em uma noite escura da alma deste país. No Brasil, é uma história muito velha que o liberalismo realmente existente, o liberex, encarne na prática em monstruosidades. Aconteceu de novo.