Foram 323 votos favoráveis à proposta, que permite ao governo adiar dívidas, driblar teto de gastos e abrir espaço no Orçamento para pagar Auxílio Brasil de R$ 400 em 2022; texto segue para o Senado
Após um placar apertado no primeiro turno, o governo obteve uma vitória mais folgada no plenário da Câmara dos Deputados com a aprovação, em segundo turno, do texto-base da PEC dos precatórios, que vai abrir caminho ao pagamento do Auxílio Brasil turbinado até dezembro de 2022. Os governistas garantiram um placar de 323 a 172 – eram necessários 308 para uma mudança constitucional.
Na semana passada, com 57 deputados ausentes, o governo aprovou o texto-base em primeiro turno com 312 votos, apenas quatro acima do mínimo exigido. Em resumo, a proposta adia o pagamento de precatórios (dívidas do governo já reconhecidas pela Justiça) e altera a correção do teto de gastos, a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. As duas mudanças abrem um espaço no Orçamento para o governo ampliar os gastos em 2022, ano eleitoral — o que é criticado por especialistas como uma forma de “contornar” o teto de gastos.
A PEC segue para o Senado Federal, onde também deverá ser apreciada em dois turnos. Hoje mais cedo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a Casa terá “senso de urgência” para votar a PEC, mas não garantiu envio do texto direto ao plenário. O trâmite normal de uma alteração constitucional é passar antes pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Além disso, os senadores têm se mostrado mais resistentes ao avanço da proposta, o que pode impor desafios adicionais ao governo.
O placar mais favorável para concluir a votação em primeiro turno e já seguir para o segundo turno na Câmara dos Deputados foi possível graças ao quórum maior do que na semana passada. No auge, 501 deputados marcaram presença, após o presidente, Arthur Lira (Progressistas-AL), flexibilizar as regras e permitir votação remota para congressistas em missão oficial no exterior e para parlamentares gestantes ou com comorbidades.
Também contribuiu a intensificação das negociações pela liberação de emendas às vésperas da votação. Como mostrou o Estadão, o Palácio do Planalto acelerou a liberação de recursos para parlamentares aliados dias antes da apreciação da PEC, que é estratégica para o governo conseguir tirar do papel seus planos de turbinar programas sociais no ano em que o presidente Jair Bolsonaro buscará a reeleição.
A PEC dos precatórios libera R$ 91,6 bilhões de espaço no Orçamento de 2022 e é essencial para tirar do papel o Auxílio Brasil de R$ 400, como quer Bolsonaro. Parlamentares contrários reclamam, porém, que a folga fiscal pode acabar sendo usada para turbinar emendas de relator, empregadas na distribuição de recursos a aliados do governo.
Em uma das votações mais tensas desta terça-feira, 9, ainda no primeiro turno da PEC, a bancada do MDB defendia a retirada do dispositivo que muda a correção do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação e que foi criada durante o governo Michel Temer (MDB). Sozinha, a alteração abre um espaço de R$ 47 bilhões para gastos no Orçamento de 2022, sendo R$ 45 bilhões para o Poder Executivo. Para este ano, o espaço adicional seria de R$ 15 bilhões.
O discurso do MDB era o de “preservar” o teto de gastos criado por Temer. Ao seu lado na trincheira estavam os partidos de oposição. Do lado, o governo ainda se recuperava de um “susto”: minutos antes, não conseguiu colocar 308 votos suficientes para manter no texto uma mudança na regra de ouro, que simplificaria a obtenção de uma autorização para usar recursos obtidos via emissão de dívida no pagamento de despesas correntes, como salários e aposentadorias.
Lira segurou a votação para garantir que o número máximo de deputados desse o seu voto. Com um quórum maior, o governo teria mais segurança de que manteria no texto o recálculo do teto. Após a tensão, o placar de 316 a 174 permitiu ao governo respirar aliviado e projetar um placar favorável também para o segundo turno de votação.
Além da promessa de recursos de emendas a aliados, a base governista mobilizou um exército de prefeitos, que foram à Câmara dos Deputados e percorreram gabinetes de lideranças. O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, afirmou que negociou com Lira o apoio dos prefeitos à PEC – que inclui um parcelamento de dívidas previdenciárias das prefeituras. “Estamos focados, são quase R$ 36 bilhões a menos (no valor da dívida) e 240 meses pra pagar”, disse. / COLABOROU FRANCISCO ARTUR, ESPECIAL PARA O BROADCAST
Nossa opinião
- Para impedir mais este calote e esta maracutaia com o dinheiro público, a nossa única esperança é o Senado Federal. Como o projeto só será aprovado se conseguir maioria de 49 votos, nos dois turnos de votação no Senado Federal, “um milagre ainda pode acontecer”. Vamos esperar para ver se os senadores têm mais vergonha do que os deputados federais. (LGLM)