Os padrões de Bolsonaro e Lira
Não existe verba disponível para o presidente da República comprar apoio político, ainda mais de forma velada. Dinheiro público é para servir à população
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), considerou que não era suficiente manifestar-se nos autos das três ações que questionam a constitucionalidade do mecanismo envolvendo as emendas de relator. Na segunda-feira passada, Arthur Lira foi pessoalmente até o Supremo para tentar explicar como pode ser legal um repasse de verbas públicas orientado por critérios e finalidades não transparentes. O caráter secreto da prática é tal que foi preciso uma investigação do Estado para revelar que as tais emendas de relator estavam sendo usadas para comprar apoio político.
A explicitar a esquisitice dos tempos atuais, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, aceitou receber o presidente da Câmara. Eram as vésperas do início da sessão virtual extraordinária do plenário do STF convocada para apreciar a liminar da ministra Rosa Weber. Ainda está para ser explicado como uma conversa privada entre os presidentes da Câmara e do Supremo pode ser um âmbito propício para tratar do princípio constitucional da publicidade no uso do dinheiro público.
Mas a história do orçamento secreto não envolve apenas a Câmara dos Deputados e Arthur Lira. O presidente da República é também parte interessada nos efeitos da distribuição de verbas públicas por meio das emendas de relator. Na segunda-feira, em entrevista à Rádio Jovem Pan Curitiba, Jair Bolsonaro criticou a decisão da ministra Rosa Weber. “Não foi justa”, disse.
Em seguida, Jair Bolsonaro expôs, sem nenhum pudor, o cerne do esquema ilegal que ficou conhecido como orçamento secreto. “Dizer que nós estamos barganhando… Como eu posso barganhar se quem é o dono da caneta é o relator, o parlamentar?”, questionou. “O parlamentar é quem sabe onde precisa de recursos”, afirmou.
A falta de transparência e impessoalidade do esquema revelado pelo Estado reside precisamente neste ponto. Recursos públicos, previstos na lei orçamentária para o Executivo, estão sendo destinados por um parlamentar para finalidades indicadas de forma não transparente por outros parlamentares, como forma de obter apoio político.
Oficialmente, parece ser o Executivo que está decidindo o destino dos recursos públicos. Mas isso é apenas a fachada. Na prática, o governo federal vem transformando verba destinada a investimentos públicos em moeda de troca para compra de apoio político. Em vez de administrar de forma criteriosa os recursos públicos – tarefa pela qual responde política e juridicamente –, o presidente da República transfere ao parlamentar (que aceitou lhe dar apoio) o poder de decisão sobre essas verbas. “O parlamentar é quem sabe onde precisa de recursos”, disse Jair Bolsonaro. Não precisava ser tão explícito.
É lamentável que a Presidência da República tenha tão pouco apreço pelo modo como são gastos os recursos do contribuinte. Jair Bolsonaro ignora a Constituição e os mais básicos princípios orçamentários, dando a entender que nada disso tem importância. Com desenvolta irresponsabilidade, parece responder a tudo com um categórico “e daí?”.
Cabe ao Supremo lembrar que, num Estado Democrático de Direito, os recursos públicos devem ser destinados com transparência e por critérios impessoais. Não existe verba disponível para o presidente da República comprar apoio político, ainda mais de forma velada. Dinheiro público tem uma única finalidade: servir à população. Se está sendo usado para “convencer” parlamentares a votar de determinada maneira, há um grave problema, mesmo que Bolsonaro e Lira achem que está tudo certo. Os padrões da Constituição são um pouco mais rigorosos.