Dinheiro público é para servir à população, não comprar apoio político

By | 10/11/2021 7:51 am

Os padrões de Bolsonaro e Lira

Não existe verba disponível para o presidente da República comprar apoio político, ainda mais de forma velada. Dinheiro público é para servir à população

 

A liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo a execução dos recursos oriundos das emendas do relator relativas ao orçamento de 2021, incomodou – e muito – o Centrão. A cada novo capítulo dessa história acintosamente constrangedora, fica evidente como a prática afeta os interesses do Executivo federal e de parte considerável do Legislativo. Mesmo depois de descoberta a manobra, governo e parlamentares não querem abdicar dela.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), considerou que não era suficiente manifestar-se nos autos das três ações que questionam a constitucionalidade do mecanismo envolvendo as emendas de relator. Na segunda-feira passada, Arthur Lira foi pessoalmente até o Supremo para tentar explicar como pode ser legal um repasse de verbas públicas orientado por critérios e finalidades não transparentes. O caráter secreto da prática é tal que foi preciso uma investigação do Estado para revelar que as tais emendas de relator estavam sendo usadas para comprar apoio político.

A explicitar a esquisitice dos tempos atuais, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, aceitou receber o presidente da Câmara. Eram as vésperas do início da sessão virtual extraordinária do plenário do STF convocada para apreciar a liminar da ministra Rosa Weber. Ainda está para ser explicado como uma conversa privada entre os presidentes da Câmara e do Supremo pode ser um âmbito propício para tratar do princípio constitucional da publicidade no uso do dinheiro público.

Mas a história do orçamento secreto não envolve apenas a Câmara dos Deputados e Arthur Lira. O presidente da República é também parte interessada nos efeitos da distribuição de verbas públicas por meio das emendas de relator. Na segunda-feira, em entrevista à Rádio Jovem Pan Curitiba, Jair Bolsonaro criticou a decisão da ministra Rosa Weber. “Não foi justa”, disse.

Em seguida, Jair Bolsonaro expôs, sem nenhum pudor, o cerne do esquema ilegal que ficou conhecido como orçamento secreto. “Dizer que nós estamos barganhando… Como eu posso barganhar se quem é o dono da caneta é o relator, o parlamentar?”, questionou. “O parlamentar é quem sabe onde precisa de recursos”, afirmou.

A falta de transparência e impessoalidade do esquema revelado pelo Estado reside precisamente neste ponto. Recursos públicos, previstos na lei orçamentária para o Executivo, estão sendo destinados por um parlamentar para finalidades indicadas de forma não transparente por outros parlamentares, como forma de obter apoio político.

Oficialmente, parece ser o Executivo que está decidindo o destino dos recursos públicos. Mas isso é apenas a fachada. Na prática, o governo federal vem transformando verba destinada a investimentos públicos em moeda de troca para compra de apoio político. Em vez de administrar de forma criteriosa os recursos públicos – tarefa pela qual responde política e juridicamente –, o presidente da República transfere ao parlamentar (que aceitou lhe dar apoio) o poder de decisão sobre essas verbas. “O parlamentar é quem sabe onde precisa de recursos”, disse Jair Bolsonaro. Não precisava ser tão explícito.

É lamentável que a Presidência da República tenha tão pouco apreço pelo modo como são gastos os recursos do contribuinte. Jair Bolsonaro ignora a Constituição e os mais básicos princípios orçamentários, dando a entender que nada disso tem importância. Com desenvolta irresponsabilidade, parece responder a tudo com um categórico “e daí?”.

Cabe ao Supremo lembrar que, num Estado Democrático de Direito, os recursos públicos devem ser destinados com transparência e por critérios impessoais. Não existe verba disponível para o presidente da República comprar apoio político, ainda mais de forma velada. Dinheiro público tem uma única finalidade: servir à população. Se está sendo usado para “convencer” parlamentares a votar de determinada maneira, há um grave problema, mesmo que Bolsonaro e Lira achem que está tudo certo. Os padrões da Constituição são um pouco mais rigorosos.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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