Tudo indica que a pandemia desaparecerá. Mas o vírus sempre pode surpreender. É hora de mais vacinas e muita cautela
Há razões para otimismo. A espetacular mobilização de cientistas e pesquisadores produziu vacinas contra a covid-19 em menos de um ano (a da pólio tomou 20). Cerca de 3,8 bilhões de pessoas no mundo já tomaram a primeira dose. Há remédios que reduzem as hospitalizações e mortes pela metade, e outros em fase de aprovação que podem reduzir os riscos em até 90%. Desde agosto, as infecções e mortes estão caindo globalmente. No Brasil, a adesão à imunização foi massiva e já supera a de países desenvolvidos. As taxas de infecções e mortes estão no menor patamar desde maio de 2020. Ao que parece, em 2022 a pandemia desaparecerá.
Mas a esperança será tanto mais forte quanto mais for acompanhada de cautela. Entre o final de outubro e o começo de novembro, as infecções na Europa aumentaram 7% e as mortes, 10%. Medidas restritivas estão sendo reeditadas para conter uma quarta onda. Isso não significa que o padrão se repetirá no Brasil. A imunização aqui avança com mais força e, se a Europa entra no inverno, o Brasil entra no verão.
Mas não se pode baixar a guarda. A terceira dose está sendo aplicada, porém cerca de 21 milhões de brasileiros ainda não retornaram para tomar a segunda. Se tivessem tomado, o País já teria praticamente atingido a imunidade de rebanho, estimada entre 70% e 85% da população.
O Ministério da Saúde lançou a campanha Proteção pela metade não é proteção. Medida importante, ainda que tardia. A omissão do governo federal nas campanhas de conscientização foi escandalosa, e o presidente é um irremediável sabotador das medidas de contenção e imunização. Não colabora para a confiança na vacinação o fato de a Anvisa não ter sido devidamente consultada sobre a dose de reforço para maiores de 18 anos.
A esquizofrenia do governo federal aumenta a responsabilidade dos governos regionais e da sociedade civil. Não se pode correr o risco de uma nova onda por negligência. Até porque na Europa há uma cultura social e administrativa que permite medidas de contenção pontuais mais ágeis e menos custosas.
De resto, nos países pobres os vacinados não chegam a 5%. Com isso, há margem para mutações inesperadas. Nesse caso, readequar as vacinas é mais fácil do que começar do zero, mas pode levar tempo, assim como tomará um tempo até que os remédios mais eficazes ganhem escala industrial e preços mais acessíveis.
E, mesmo que a pandemia desapareça, a covid não desaparecerá. Seu destino é se tornar endêmica, com eventuais surtos locais e sazonais, como a gripe. Não será uma ameaça mortal para a maioria das pessoas, mas continuará a sê-lo para idosos e enfermos, além das populações dos países pobres. Os países ricos seguem estocando vacinas além do limite razoável e, à medida que a covid se dissipa neles, diminui o interesse em auxiliar os pobres. Mais uma vez, isso aumenta o risco de variantes mais infecciosas e mortais.
Se há uma lição indisputável desse vírus é que ele sempre pode surpreender. As melhores armas para minimizar os riscos de uma catástrofe ainda maior são vacinas e cautela. É preciso usá-las sem moderação.