Flávio dá o tom da estratégia, defende filiação do pai ao PL e diz que condenação do dirigente partidário é apenas ‘cicatriz’
O Palácio do Planalto e o grupo político de Jair Bolsonaro já têm pronto o discurso para justificar a filiação do presidente ao PL, partido comandado pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, um dos principais expoentes do Centrão. Três anos após ser eleito com ataques à velha política simbolizada por esse bloco, Bolsonaro adaptou a retórica anticorrupção para defender a entrada no PL.
Quem deu o tom da nova estratégia foi o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), entusiasta do acordo com o partido de Costa Neto, político condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro após o escândalo do mensalão. “Isso é cicatriz. Ele já pagou o que tinha que pagar. Está quites, zerado”, disse Flávio ao Estadão.
Pelo menos dois ministros devem seguir Bolsonaro em sua provável ida para o PL: Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
Filho “01” de Bolsonaro, o senador participou de todas as negociações até agora com o objetivo de descobrir uma legenda para abrigar o grupo, já que o plano de criar o Aliança Brasil não deu certo. Desde que deixou o PSL, há dois anos, o presidente está sem partido.
O acordo com o PL deve ser fechado nos próximos dias, após idas e vindas ocasionadas, principalmente, por causa de divergências na montagem de palanques em São Paulo e em Estados do Nordeste.
Mesmo antes do casamento, o noivado do presidente com o PL provocou contestações do bolsonarismo “raiz” porque vai contra todas as promessas. Coube a Flávio, porém, traçar a estratégia para rebater as críticas.
“Qualquer partido vai ter problemas. Eu não passei o que passei? Sou bandido por causa disso? Não dá para comparar com o que o Valdemar teve, mas ele cumpriu a pena dele. Vamos julgar novamente o cara?”, questionou Flávio.
Antes, Bolsonaro não poupava ataques a Costa Neto e ao Centrão. Chegou a se referir ao dirigente do PL como “corrupto e condenado”. Na campanha eleitoral de 2018, com uma pauta de combate à corrupção, o então candidato à Presidência fez questão de marcar diferença com o bloco que hoje comanda a Câmara e participa do governo.
Flávio diz acreditar que a reação negativa será superada e afirma não ter influenciado na decisão de Bolsonaro em adiar o ingresso no partido, antes marcado para segunda-feira. Uma das razões para o adiamento foi a discordância em relação a alianças em São Paulo, Bahia, Pernambuco e Piauí. Nos últimos três Estados, por exemplo, os diretórios do PL querem apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto.
“Uma parte do pessoal com o tempo amadurece, sabe que a eleição vai ser difícil e tem que ter partido grande, tempo de TV, capilaridade. Se fosse para o PP, ia ser a mesma coisa. Iam reclamar do Ciro (Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil). Se fosse o Republicanos, a mesma coisa”, argumentou Flávio, durante a viagem do pai ao Oriente Médio. Na sua avaliação, seria “ruim” perder o PL como aliado.
O senador foi acusado formalmente pelo Ministério Público do Rio de se beneficiar de um esquema criminoso de desvio e apropriação de dinheiro público, por meio da devolução do salário de assessores, quando era deputado estadual. As primeiras evidências da existência da “rachadinha” foram reveladas pelo Estadão, em 2019.
Desde então, a investigação sofreu derrotas nos tribunais superiores e boa parte terá de ser refeita. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as decisões do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio. O senador disse que seu sigilo foi quebrado ilegalmente e aposta que o caso será arquivado.
“Se a Constituição vale para qualquer cidadão, tem que valer para mim também”, afirmou Flávio. “A investigação já estava capenga, o MP tinha que refazer a denúncia; agora, fica inviável. Uma ação é espelho da outra, eles tentaram se antecipar para requentar prova mais uma vez.”
Apesar da expectativa de grande migração de bolsonaristas para o PL, há parlamentares que já decidiram não seguir o caminho do presidente. É o caso do deputado General Peternelli (PSL-SP), que avisou Bolsonaro sobre sua intenção de permanecer na legenda. O PSL vai se unir ao DEM para formar o União Brasil. “No meu entender, o presidente precisa ter uma frente ampla de apoio de vários partidos. E eu planejo continuar no União Brasil”, disse Peternelli.
O deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), vice-líder do partido na Câmara, concordou com o novo discurso do grupo de Bolsonaro para justificar a filiação ao PL. Jordy observou que, se o grupo do presidente adotasse a falta de problemas na Justiça como critério, não iria entrar em nenhuma legenda.
“Não tem como nós escolhermos um partido que seja 100%, no sentido de que não haja nenhuma pessoa que faça parte que não tenha algum caso, alguma ação, algum inquérito de improbidade ou qualquer coisa”, disse.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputada Bia Kicis (PSL-DF), evitou comentar o fato de caciques do PL serem alvos de investigações, mas reforçou o discurso de que Bolsonaro não tem muitas opções para se filiar. “Não existe um partido de direita. Hoje só existe partido de esquerda e de centro”, afirmou. “O que interessa é isso, é a gente ter um partido para abrigar todo mundo e continuar trabalhando pelas nossas pautas”, afirmou.
A pauta da corrupção tem ganhado mais espaço na pré-campanha presidencial. O tema retorna ao debate com a reabilitação eleitoral de Lula, que foi preso na Operação Lava Jato e impedido de concorrer em 2018, e com a entrada na disputa do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (Podemos), responsável pelos processos. As condenações acabaram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Moro foi considerado parcial pela Corte.
Para o cientista político Bruno Soller, do Instituto Travessia Estratégia e Marketing, a principal discussão da campanha de 2022 continua relacionada aos problemas da economia, como o desemprego e a alta da inflação. Soller notou, porém, um reforço do debate sobre a corrupção e avaliou que Bolsonaro pode perder para Moro eleitores de alta renda, das classes A, B1 e B2, justamente o segmento que mais deu apoio ao presidente, em 2018.
“Com a entrada do Lula no jogo e agora, com Moro na parada, haverá impacto para classes mais altas. É onde Moro pode crescer em cima do Bolsonaro. Essas classes se desprendem do presidente por causa de questões de corrupção, principalmente em cidades como São Paulo, Brasília e Curitiba”, argumentou Soller.
Nossa opinião
Para se eleger em 2018, Bolsonaro “passou gato por lebre”, em parte do eleitorado, prometendo lutar contra a corrupção. Hoje mostra que tudo era impostura e se une aos maiores corruptos do país. Grande parte deste eleitorado enganado nas eleições anteriores migrará para outras candidaturas o que poderá desidratar a candidatura de Bolsonaro e derrotá-lo no primeiro turno. Para o que valorizam o combate à corrupção, Sérgio Moro pode se tornar o preferido já que é um “outsider” na corrupta classe política brasileira. Os que se pretendem inimigos da corrupção devem se alinhar ao seu lado, com a possibilidade até de levá-lo para o segundo turno e daí a uma eleição para a presidência da República. (LGLM)