O STF já decidiu que deve ser dada ampla publicidade às emendas de relator. Não há espaço para manobras ou evasivas para manter sigilo
Ao determinar que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”, exceto quando a divulgação dessas informações implica risco à segurança da sociedade ou do Estado, a Constituição deixa evidente que a transparência é a regra na administração pública, e o sigilo, exceção.
Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, decidiu que o governo federal sustasse imediatamente o pagamento das emendas de relator-geral do Orçamento, as chamadas emendas RP-9, e o Congresso desse “ampla publicidade” aos repasses já realizados em 2020 e 2021 por meio dessa rubrica, ou seja, informasse quem foram seus “patronos”, além de divulgar valores e destinatários. Em outras palavras: o Supremo decidiu que o “orçamento secreto”, mecanismo de compra de apoio parlamentar ao governo federal revelado pelo Estado, deixasse de ser secreto. Só há um Orçamento da União, sobre o qual não pode pairar qualquer suspeição em relação à sua lisura.
A decisão liminar da ministra Rosa Weber, corroborada na íntegra pela ampla maioria de seus pares, foi de uma clareza solar. “O regramento pertinente às emendas de relator”, decidiu a ministra, “distancia-se dos ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP-9, recai o signo do mistério.” De fato, mistérios envolvendo assuntos de interesse coletivo são incompatíveis com uma República democrática.
Se a própria existência das emendas de relator já é um grave erro por si só, haja vista que, como decidiu o STF, a inovação orçamentária colide frontalmente com a Constituição, é de espantar que os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em vez de acabar com as RP-9 e informar, afinal, quem propôs as emendas de relator até agora e para onde foram bilhões de reais distribuídos a parlamentares leais aos interesses do Palácio do Planalto fora dos controles institucionais, simplesmente decidam descumprir a ordem do Supremo, como se isso fosse uma opção.
Em Ato Conjunto das Mesas de ambas as Casas Legislativas, o Congresso informou que descumprirá a ordem em virtude da “não exigência e a inexistência de procedimento preestabelecido por lei para registro formal” das emendas RP-9. Ora, dada a questionável “impossibilidade fática” de apurar quem pediu, quem indicou e quem recebeu recursos públicos sob as sombras, o Congresso, contrariando o Supremo, repita-se, pretende que tudo fique como está. Ou seja, transparência, se houver, só a partir de 2022.
Não foi isso o que decidiu a instância máxima do Poder Judiciário, cuja missão não é outra senão exercer o controle da constitucionalidade de leis, decretos e outras normas. Se a falta de lei referida por Pacheco “não exigia” a identificação dos autores das emendas de relator, o que vale, evidentemente, é a regra geral de transparência inscrita na Constituição e em boa hora reforçada pelo STF. Os nomes, portanto, devem ser declarados. Decidiu-se justamente acabar com a falta de transparência que, ao fim e ao cabo, Pacheco sustenta ser legal.
O objetivo da cúpula do Congresso parece ser o de manter em segredo os nomes de parlamentares beneficiados com emendas de relator em 2020 e 2021.
O Estadão/Broadcast apurou que o presidente do Senado pretende procurar ministros do STF para sustentar que a publicidade sobre os repasses das emendas de relator passe a valer apenas para o Orçamento de 2022. Qual seria o fundamento dessa conversa fora dos autos? Não é papel dos presidentes das Casas Legislativas modular por meio de “embargos auriculares” uma decisão já tomada pelo STF. Isso seria tão antirrepublicano quanto o próprio “orçamento secreto”.
O STF já decidiu que deve ser dada “ampla publicidade” aos repasses por meio de emendas RP-9 realizados em 2020 e 2021. Não cabe discussão. A decisão do Supremo, por óbvio, deve ser cumprida integralmente. Não há espaço para manobras ou evasivas.