Os Poderes brigam entre si sem que se definam os limites de cada um
O que parecia sinal sutil do “arranjo institucional” brasileiro virou evidência escancarada. O poder de mando espalhou-se por várias instâncias e a figura que mais atrai a atenção do público, a do presidente da República, sob Jair Bolsonaro perdeu importância relativa.
As atuais inéditas prerrogativas do Legislativo criaram a figura de dois primeiros-ministros: os presidentes da Câmara e do Senado. Individualmente ou em conjunto fazem avançar ou paralisam qualquer assunto, relevante ou não, por briga entre eles ou não, de interesse público ou não – com preferência para os interesses próprios.
São “moderados” em parte pelo STF que “modera” também o Executivo. Por desígnio ou circunstâncias políticas o Supremo interfere em assuntos do Legislativo e do Executivo. Às vezes através de decisões monocráticas referendadas em plenário por um espírito de corpo que os ataques de Bolsonaro à instituição só ajudaram a consolidar.
Esse permanente conflito entre os Poderes se expandiu. O mais recente – STF x procurador-geral da República – tem como pano de fundo sério dilema institucional que se agravou desde a Lava Jato. Ambos, STF e PGR, são plenipotenciários. O PGR é o dono das ações penais, investiga ou arquiva o que quiser. É então um poder soberano (como o STF) que mantém sua última palavra, quando ninguém poderia estar acima da corte constitucional?
O que está em disputa no cenário inteiro é quem impõe limites a quem. “A democracia tem de resolver isso”, diz o professor de Direito Lenio Streck, que vem apontando para essa “profusão” de poderes de mando. Ocorre que a democracia brasileira parece muito distante de resolver qualquer questão fundamental, começando pelo sistema de governo, cujo desenho original foi piorado pelas inépcias políticas de Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro.
Assim, é possível antecipar que já no dia 2 de outubro do ano que vem, data do primeiro turno das eleições, se terá uma ideia bem clara de como será o governo ainda antes de surgir o vitorioso na corrida ao Planalto (eleição em dois turnos continua sendo a hipótese mais provável apesar das recentes pesquisas ampliando o favoritismo de Lula). É que nesse 2 de outubro estarão definidas as maiores bancadas na Câmara e, portanto, os caciques mais poderosos.
“Presidencialismo de coalizão” perdeu uso prático como definição desse sistema de conflitos em propagação. Com a cooperação decisiva de Jair Bolsonaro, a figura forte que sairá com milhões de votos de um pleito plebiscitário vai queimá-los num novo regime. É o da treta permanente.
JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN