Tratar o eleitor como incapaz de fazer escolhas sensatas é rebaixar a democracia que se pretende aperfeiçoar
Não raro o debate em torno da reeleição tem como pano de fundo a sua desvirtuação pelos governantes de turno. Logo, trata-se de discussão baseada em uma premissa errada, qual seja, a de que a reeleição é algo essencialmente ruim. Não é, nem para o Brasil nem para outros países, ou o instituto não estaria presente em tantas Constituições democráticas mundo afora. O que é nefasto para qualquer nação é o desvirtuamento do mandato pelo governante de turno que enxerga a reeleição como um fim em si mesma, como resultado de seus estratagemas para permanência no poder, e não como a consequência natural da formulação e execução de boas políticas públicas reconhecidas pelos eleitores – ou seja, como a coroação maior de um bom governo.
No afã de dissociar suas imagens desse aspecto negativo da reeleição, candidatos à sucessão do incumbente, em geral, optam por apresentar aos eleitores a solução mais fácil durante as campanhas eleitorais: prometem não concorrer a um novo mandato caso sejam eleitos – quase todos são contra a reeleição até chegar sua vez de postular um novo mandato – e defendem o fim dessa possibilidade. É o que ocorre agora, mais uma vez.
A Coluna do Estadão noticiou recentemente que o deputado federal Junior Bozzella (PSL-SP), espécie de coordenador informal da pré-campanha de Sergio Moro (Podemos) à Presidência, articula entre seus pares a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com a possibilidade de reeleição do presidente para um mandato consecutivo. “A história vem mostrando que a reeleição é um instrumento que fracassou em nosso país”, disse Bozzella à Coluna. “Era para ser a consequência de um governo, mas virou a pauta central do detentor do mandato. Bolsonaro é o melhor exemplo disso.”
O parlamentar tem razão quando diz que a reeleição se tornou “pauta central” do presidente Jair Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral de 2018, o então candidato Bolsonaro afirmou publicamente que, caso fosse eleito, não concorreria a um novo mandato. Como hoje se sabe, mentiu: tudo o que Bolsonaro diz ou faz desde que envergou a faixa presidencial é pensando em formas de se manter no cargo, não em entregar a seu sucessor um país em condições melhores do que o que recebeu. Obcecado pela permanência no poder, provavelmente para adiar um acerto de contas com a Justiça, Bolsonaro foge de suas responsabilidades como chefe de Estado e de governo, seja por incapacidade, seja pelo desejo de não se indispor com parcelas de seu eleitorado. Tudo isso pensando exclusivamente em sua reeleição.
Portanto, a reeleição, em si, não é o problema. A questão de fundo é o desvirtuamento do exercício do poder. Já dissemos nesta página que a liberdade do eleitor foi muitas vezes reduzida e manipulada pelo uso da máquina estatal em favor do governante que busca a reeleição. O sucesso do instituto, portanto, tem a ver com o amadurecimento dos eleitores para distinguir quando um governante está agindo movido por sua paixão cega pelo poder e quando age tendo como norte o interesse público. Simplesmente propor o fim da reeleição, sob o argumento de que o eleito, no primeiro mandato, tende a empregar todo o seu empenho e os recursos estatais para ser reeleito, e não para governar, é de certa forma duvidar da aptidão do eleitor de perceber isso e de puni-lo nas urnas.
Ora, as eleições periódicas servem justamente para tirar do poder quem não o exerce corretamente. Tratar o eleitor como incapaz de fazer escolhas sensatas é rebaixar a democracia que se pretende aperfeiçoar.