É notável o esforço da Justiça Eleitoral para enfrentar as ‘fake news’, mas são também evidentes as limitações de sua atuação. Cenário exige uma cidadania ainda mais responsável
De toda forma, por mais que se reconheça o esforço da Justiça Eleitoral no enfrentamento das fake news, são também evidentes as limitações de sua atuação. Criada pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, com o objetivo de aprimorar a fiscalização e auditoria do processo eleitoral, a Comissão de Fiscalização e Transparência das Eleições mostrou ser, no ano passado, insuficiente para alterar de forma substancial a dinâmica de notícias falsas nas redes sociais, mesmo em relação ao sistema eletrônico de votação. O trabalho da comissão foi e continua sendo importantíssimo, mas é inegavelmente limitado.
Outra importante medida de combate à desinformação foi a desmonetização de canais e páginas que propagam fake news, implementada em 2021 pelo então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão. No entanto, a iniciativa não alcança, por exemplo, os aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram, por onde se difunde muita desinformação.
O cenário atual é desafiador. Não há mais espaço para o otimismo visto anos atrás, por ocasião de algumas medidas da Justiça Eleitoral no combate à desinformação nas redes sociais. Em 2018, após a instalação de grupos de trabalho e comitês sobre o tema, o então presidente do TSE, ministro Luiz Fux, anunciou que a Justiça eleitoral seria capaz de “remover imediatamente” as notícias falsas que se espalhassem pelo País. Segundo a promessa de Fux, a ação do TSE seria tão efetiva que “falar que pode haver fake news já é uma fake news”.
Meses depois, a ministra Rosa Weber, que sucedeu a Luiz Fux na presidência do TSE, reconheceu que o combate à desinformação ultrapassava as possibilidades da Justiça Eleitoral. “Se tiverem a solução para que se evitem ou se coíbam fake news, nos apresentem. Nós ainda não descobrimos o milagre”, disse a ministra Rosa Weber, em fins de 2018.
Não há dúvida de que a Justiça Eleitoral deve seguir aprimorando as medidas para prover um ambiente eleitoral de respeito às liberdades políticas. O regime democrático não pode ficar refém da manipulação e da mentira. De toda forma, seria ilusório imaginar que, em algum momento, o Estado será capaz de impedir a circulação de toda e qualquer desinformação. A liberdade sempre envolve riscos, e a pretensão de uma completa eliminação das fake news envolveria atribuir ao Estado um poder incompatível com os direitos e garantias fundamentais.
Tudo isso reforça a importância de uma cidadania ainda mais responsável. Se a Justiça Eleitoral precisa, dentro de suas limitações, preparar-se para reduzir os danos causados pela desinformação, também a sociedade, consciente dos riscos provocados pelas fake news e outras formas de manipulação, deve precaver-se de forma especial perante o atual cenário. Seria pouco republicano queixar-se que o Estado não é capaz de coibir as fake news e, ao mesmo tempo, manter um comportamento individual acintosamente vulnerável à desinformação.
Como afirmado neste espaço em 2018, “é penoso (…) ver como pessoas instruídas compartilham supostas ‘notícias’ sem o mínimo senso crítico, repassando para familiares e amigos informações distorcidas e manipuladas, quando não inteiramente falsas” (A liberdade de informação, 27.10.2018). Infelizmente, tal comportamento continua muito frequente. O poder manipulador das fake news sobre o processo eleitoral será tão menor quanto for o cuidado da população em checar a origem das informações, buscando fontes confiáveis.
Não há solução perfeita. Não há resposta unilateral capaz de enfrentar eficazmente a manipulação e a desinformação. Estado e sociedade precisam, cada um no seu âmbito, atuar para proteger as eleições e as liberdades. A democracia merece esse cuidado.