Audiência pública organizada às pressas serviu para mascarar sabotagem do presidente
(Bruno Boghossian, colunista da Folha é mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA)).
O Ministério da Saúde mobilizou a máquina do governo para satisfazer os caprichos de Jair Bolsonaro. Na reta final de 2021, a pasta abriu uma consulta pública com perguntas feitas sob medida para confundir os pais e dificultar a vacinação de crianças contra a Covid. Nesta terça-feira (4), organizou uma audiência pública para espalhar desinformação sobre os imunizantes.
A operação foi montada a jato. Em 16 de dezembro, o corpo técnico da Anvisa autorizou o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Naquela mesma noite, Bolsonaro atacou publicamente a decisão da agência: levantou riscos do imunizante e disse que divulgaria os nomes dos responsáveis pela análise. Dois dias depois, o Ministério da Saúde anunciou a tal consulta pública.
Um formulário foi divulgado na antevéspera do Natal. As perguntas eram direcionadas para atender aos critérios que Bolsonaro tentava inventar, como a apresentação de receita médica e de um termo de compromisso assinado pelos pais.
O objetivo da consulta não era obter uma análise sobre a segurança e a eficácia das vacinas. Essa avaliação já havia sido feita pela Anvisa e por uma câmara técnica do próprio Ministério da Saúde. A ideia, ao contrário, era criar dúvidas e adiar o início da aplicação das doses.
Foi um espetáculo de manipulação política, com transmissão ao vivo pela TV oficial do governo. Em vez de realizar uma análise sóbria dos imunizantes e organizar o início da aplicação das doses, o Ministério da Saúde preferiu fertilizar teorias da conspiração. Tudo para dar uma aparência técnica à sabotagem diária liderada pelo presidente.