Para aumento ser dado este ano, seria preciso prever também recursos para 2023, o que não foi feito da forma correta
O governo terá de enfrentar um problema adicional para administrar a pressão das carreiras dos servidores públicos por novos aumentos: a previsão de recursos no Orçamento para o aumento é ainda mais insuficiente quando se leva em conta o que foi programado para 2023.
É que o Orçamento de 2022 foi aprovado com a dotação de despesas para a concessão de reajuste para o exercício deste ano e de 2023 com o mesmo valor, de R$ 1,79 bilhão para cada ano. Acontece que essa não é a praxe.
Para o primeiro ano, a previsão leva em conta sempre uma quantidade de meses menor de vigência do reajuste até que o projeto de reajuste salarial seja negociado com as categorias, aprovado pelo Congresso e o governo consiga rodar a folha de salários.
Para 2022, o limite máximo é o mês de maio para rodar a folha de junho antes das restrições do ano eleitoral. Se o reajuste começar a ser pago no mês de junho, por exemplo, R$ 1,79 bilhão é suficiente para pagar o adicional até o fim do ano.
Mas esse mesmo valor em 2023 é insuficiente, já que aí o salário maior vai ser pago de janeiro a dezembro, mais o décimo terceiro. Seriam necessários, no mínimo, o dobro do valor, ou seja, R$ 3,4 bilhões.
Projetos que tratam de despesa de pessoal são de prerrogativa exclusiva do presidente da República e têm que contar com a previsão de recursos para dois anos (do exercício e anualizado), essa é a exigência legal. As dotações estão em tabela de anexo da lei orçamentária.
Com mais esse problema, ou o governo reduz ainda mais o reajuste ou terá mesmo que enviar um projeto (PLN) ampliando os recursos para os aumentos. Antes da votação do Orçamento, a equipe econômica encaminhou ofício ao Congresso pedindo R$ 2,5 bilhões para os reajustes neste ano.
Além de contemplar as carreiras de segurança, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que esse total poderia beneficiar outras duas categorias. A decisão de quais serão contempladas será do presidente Jair Bolsonaro.
Escalada dos protestos
A escalada do movimento de entrega de cargos, deflagrado pela Receita e outras categorias de elite, subiu mais um degrau. Após os servidores da Receita Federal e do Banco Central entregarem seus cargos comissionados, mais de 150 auditores-fiscais do Trabalho já deixaram seus postos de chefia ou coordenação.
O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) agendou para 18 de janeiro um Dia Nacional de Mobilização dos servidores federais por reajuste salarial. Se não houver resposta pelo governo, a categoria planeja outras mobilizações nos dias 25 e 26 de janeiro e já tem indicativo de greve para fevereiro.
Com a internação do presidente Bolsonaro por questões de saúde e o recesso de fim de ano de Guedes, as negociações estão na estaca zero com um cronograma apertado e sem uma mesa de diálogo aberta até agora pela equipe econômica, que é responsável pela gestão de pessoal.
O movimento começou após o presidente Bolsonaro anunciar em dezembro que faria uma reestruturação das carreiras policiais ligadas ao Ministério da Justiça: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
As propostas construídas pelas três polícias já custavam mais que o R$ 1,7 bilhão que ficou no orçamento. O presidente terá de bater o martelo se o dinheiro será ou não destinado para a área de segurança ou atendimento, ao menos parcial, de demandas de outras categorias.
Economia
Os auditores fiscais da Receita, que deflagraram o movimento com a entrega de cargos de chefia, estão fazendo operação tartaruga. Para mostrar força, o sindicato da categoria divulgou imagens de cerca de 200 caminhões em Pacaraima (RR), fronteira com a Venezuela, esperando a liberação de carga na alfândega da Receita Federal. Segundo George Alex de Sousa, presidente do Sindifisco da regional de Brasília, situações como essa tendem a se espalhar pelo País e pelas fronteiras, caso o governo permaneça em silêncio. A mobilização dos auditores fiscais agropecuários também causou transtornos no Porto de Santos, adiando o desembarque de trigo.
As categorias de elite são as que mais fazem pressão e têm poder de mobilização grande, pelo impacto que uma paralisação delas pode provocar na economia. Como no caso da Receita, os auditores do Trabalho cobram ainda a regulamentação do bônus variável por eficiência, que foi aprovado pelo Congresso há cinco anos, mas ainda não entrou em vigor. “Embora tenha havido alguma sinalização para os servidores da Receita, ainda não chegou nada para nós. Não existe possibilidade de sair bônus variável para Receita e não para os auditores do Trabalho. Se isso acontecer, vamos para a maior mobilização da nossa história. Já fizemos greve e operação padrão em outras oportunidades”, afirma o vice-presidente do Sinait, Carlos Silva.
O ministro Paulo Guedes e sua equipe trabalham para conter o movimento e avaliam que os salários dos servidores, que contam com estabilidade, ainda estão elevados em comparação aos dos trabalhadores da iniciativa privada, mesmo depois do congelamento de dois anos. Um salário inicial de auditor Fiscal da Receita Federal, por exemplo, é de R$ 21.029,09 e o final, de R$ 30.303,62. Guedes tem alertado que o teto de gastos estará sob nova pressão se o governo conceder mais reajustes, com espiral negativa para os ativos do mercado e impacto na inflação.
Silvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria, avalia que a revolta do funcionalismo federal é mais um elemento que complica o cenário fiscal para 2022 e aumenta a tensão dos mercados. “Toda essa pressão por medida que piorem as contas públicas mantém os ativos brasileiros pressionados, com o dólar e os juros em alta e a bolsa em queda”, destaca.
Campos lembra que o orçamento brasileiro já é normalmente muito comprometido com despesas obrigatórias, sobrando pouquíssima margem de manobra para negociar reajustes que alcancem todas as categorias. “E já foram feitas diversas manobras para acomodar outras despesas com foco eleitoral. Quando se abre algumas exceções, é claro que gera um descontentamento de quem não foi contemplado. É um belo de um problema e mais um ponto de estresse e incerteza para este ano”, diz.
Para o economista, uma solução definitiva para esses impasses poderia vir com a reforma administrativa, mas ele mesmo descarta que ela possa ser votada em 2022. “Não há nenhuma chance de avançar com a reforma no curto prazo e, além disso, ela dependerá muito do resultado eleitoral. É preciso um governo comprometido de fato com essa briga e sabemos que nem todos os candidatos estão dispostos a isso”.