Recriação da propaganda partidária é mais um retrocesso

By | 06/01/2022 11:00 am

O mal que os privilégios fazem aos partidos

Acertadamente, o Congresso extinguiu em 2017 a propaganda partidária no rádio e na televisão. Sua recriação é mais um retrocesso da atual legislatura, com apoio de Jair Bolsonaro

(Editorial dO Estadâo, em 06 de janeiro de 2022)

Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a Lei 14.291/22 recria a chamada “propaganda partidária gratuita”, que de gratuita não tem nada, no rádio e na televisão. É mais um retrocesso que a atual legislatura, em sintonia com o governo federal, impõe à sociedade.

Em 2017, o Congresso extinguiu a propaganda partidária no rádio e na televisão, mantendo a propaganda eleitoral, veiculada durante a campanha. A rigor, não deveria existir nenhuma modalidade de propaganda política, partidária ou eleitoral custeada pelos cofres públicos ou compulsoriamente por terceiros. Partido político é entidade privada e, se deseja promover suas propostas, deve buscar por si mesmo os meios para tanto.

A extinção da propaganda partidária em 2017 foi um passo positivo, ao reduzir benefícios artificiais, pagos de forma compulsória pelo contribuinte às legendas. Com a medida, o Congresso fez uma pequena correção, dentro de um marco legal muito benevolente com os partidos. Na verdade, o sistema é benevolente com as lideranças dos partidos.

Além do custo econômico imposto à sociedade, benefícios artificiais para as legendas são prejudiciais aos próprios partidos, uma vez que os afastam de sua missão – que é agregar pessoas em torno de ideias e projetos, fazendo a representação e a articulação política dessas propostas. Se uma legenda obtém do Estado os meios para sua manutenção, o partido acaba por receber uma espécie de autorização para estar distante de seus associados e não buscar novos associados.

Os benefícios artificiais desencadeiam todo um processo de desvirtuamento das legendas. Não se pode fechar os olhos à realidade. O alheamento dos partidos em relação à sociedade não é resultado do acaso, como se fosse uma má sorte nacional. O atual regime de privilégios às legendas, incluindo também os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, é forte estímulo para que as legendas fiquem distantes da sociedade e se convertam em um negócio lucrativo para os caciques partidários.

Vale notar que, como pano de fundo desse sistema absolutamente disfuncional, há uma visão equivocada sobre a natureza dos partidos políticos. Como argumento para o acesso dos partidos a recursos públicos e a outras benesses, como a “propaganda partidária gratuita”, afirma-se que as legendas defendem o interesse público e, portanto, mereceriam ser custeadas pelos cofres públicos. Trata-se de grave equívoco conceitual. Os partidos são entidades privadas, que defendem interesses privados – os interesses de seus associados. Isso nada tem de ilegítimo ou antidemocrático. Ao contrário, é justamente na confluência democrática dos diferentes interesses privados que se poderá depois vislumbrar o interesse público. Entre outras consequências, essa realidade é um dos fundamentos para o multipartidarismo: nenhum partido, nenhuma entidade privada detém o monopólio da defesa do interesse público.

Não deixa de ser paradoxal. A versão idealizada de que os partidos políticos defendem o interesse público (a merecer, assim, benesses públicas) tem servido precisamente para tornar as legendas distantes do bem público, servindo apenas a seus caciques. O resgate da funcionalidade dos partidos passa por reduzir os incentivos públicos, e não aumentá-los, como fez a legislatura atual.

Ao sancionar a Lei 14.291/22, Jair Bolsonaro vetou a compensação fiscal a que as emissoras de rádio e televisão teriam direito pela cessão não onerosa da grade às legendas. A medida presidencial reforça, assim, a ideia equivocada de que a propaganda partidária seria gratuita, quando na verdade envolve altos custos. A produção do material publicitário das legendas é financiada com dinheiro público, proveniente do Fundo Partidário, e a cessão gratuita da grade onera empresas privadas, que não têm por que serem obrigadas a bancar a atividade política.

A Lei 14.291/22 é um exemplo cabal de como se constrói e se reforça a disfuncionalidade do sistema político. Basta agregar privilégios, sem olhar para suas consequências.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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