Nota de Barra Torres está à altura da agressão de Bolsonaro

By | 11/01/2022 7:55 am
Resposta adequada a uma leviandade

Não se sabe se Bolsonaro responderá legalmente pela acusação feita contra os servidores da Anvisa, mas nota de Barra Torres está à altura da agressão

(Editorial dO Estadão, em 11 de janeiro de 2022)
No sábado passado, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, publicou uma nota corajosa, em tom marcadamente pessoal, como resposta à grave acusação feita pelo presidente Jair Bolsonaro de que interesses escusos de servidores da agência sanitária teriam motivado a aprovação da vacinação de crianças entre 5 e 11 anos contra a covid-19. “Qual o interesse da Anvisa? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacinas?”, insinuou Bolsonaro, em mais uma demonstração de que é indigno do cargo no qual, infelizmente, foi investido.

O tempo vai dizer se a acusação leviana – mais uma do presidente, diga-se – terá alguma consequência legal. A rigor, deveria ter. O que Bolsonaro fez foi lançar dúvidas infundadas sobre a honestidade de servidores públicos que, após analisarem os estudos de segurança e eficácia do imunizante da Pfizer para o público infantil, o mesmo já aplicado em crianças daquela faixa etária em diversos países, decidiram autorizar a vacinação infantil como forma de aumentar o nível de proteção dos brasileiros contra uma doença que já causou a morte de mais de 620 mil pessoas no País. Entretanto, ao menos por ora, a nota do contra-almirante Barra Torres já é por si só uma eloquente resposta à irresponsabilidade e à falta de espírito público que marcam a atuação de Bolsonaro no curso da pandemia.

Como diretor-presidente de uma agência estatal que, na insinuação do presidente da República, agiria motivada por interesses antirrepublicanos, se não criminosos, Barra Torres, com razão, sentiu-se pessoalmente atacado por Bolsonaro em sua honra e profissionalismo. O tom de sua nota, portanto, não haveria de ser outro que não o de uma resposta pessoal e direta a seu acusador. Com a indignação típica dos que se veem acusados de um crime que não cometeram – “Vou morrer sem conhecer riqueza, senhor presidente, mas vou morrer digno” –, e decerto respaldado pela autonomia que lhe assegura seu mandato à frente de um órgão de Estado, e não de governo, Barra Torres exortou Bolsonaro a agir como manda a lei, nada mais. “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro”, escreveu o diretor-presidente da Anvisa, “não perca tempo nem prevarique. Determine a imediata investigação policial sobre minha pessoa, aliás, sobre qualquer um que hoje trabalhe na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar.”

No início de seu mandato, havia dúvidas se Barra Torres, indicado pelo presidente da República para o cargo, não seria mais um esbirro de Bolsonaro na defesa de seus desatinos, e justamente no momento mais dramático da história da agência. Mas o tempo se encarregou de dissipar essas dúvidas. Como destacou em sua nota, o também médico Barra Torres tem marcado sua gestão à frente da Anvisa por colocar a ciência acima da política, “a razão à frente do sentimento”, o interesse público acima dos interesses eleitorais de quem o indicou.

Afirmando ser “cumpridor dos mandamentos” cristãos e jamais ter levantado “falso testemunho”, Barra Torres pediu que Bolsonaro “exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”.

É improvável que o presidente mande instaurar investigação ou se retrate. Primeiro, porque não há indício de corrupção envolvendo a aprovação técnica das vacinas pela Anvisa a ensejar a abertura de um inquérito policial. Segundo, porque este é exatamente o modus operandi do presidente da República: a Bolsonaro não interessam os fatos, interessa apenas lançar mentiras e teorias conspiratórias no ar para que elas circulem no esgoto das redes sociais e dos aplicativos de mensagem, onde ganham vida própria e excitam a base de apoio radical ao presidente.

Bolsonaro desconhece limites legais, institucionais e morais para fazer valer seus interesses particulares. A acusação infundada contra os servidores da Anvisa é uma pequena amostra do que ele será capaz de fazer neste ano eleitoral, quando o que está em jogo é a continuidade de seu projeto pessoal de poder.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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