Governo retoma debate sobre lei orgânica para policiais militares em ano eleitoral para conter declinante apoio da categoria a Bolsonaro
Tratada como prioridade pela bancada da bala, a Lei Orgânica das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros foi apresentada pelo Executivo em 2001. Durante quase 21 anos praticamente não avançou na Câmara, até que ressuscitou na Casa no fim de 2019. O relatório do deputado Capitão Augusto (PL-SP), antecipado pelo Estado, mostra as reais intenções da base bolsonarista com a proposta.
O parecer permite retorno aos quadros das forças de segurança daqueles que se tornaram parlamentares caso não consigam se reeleger – inclusive os congressistas atuais. Hoje, segundo a Constituição, eles passam imediatamente para a reserva quando assumem um cargo eletivo e não podem voltar à ativa. Além disso, o texto chega ao cúmulo de garantir a nomeação e promoção para investigados pela Justiça e até para os que se tornaram réus. Segundo o relator, o item foi incluído no projeto sob o argumento de que a Constituição garante o princípio da presunção de inocência.
No início de dezembro, quando a Câmara aprovou requerimento de urgência do projeto, recurso que permite a votação do texto diretamente em plenário sem passar pelas comissões, o líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo (GO), disse que a proposta contava com o aval de várias entidades, do Ministério da Justiça e das Forças Armadas. “Nesse sentido, o governo Bolsonaro também é a favor”, afirmou. Faltou consultar os Estados, a quem essas forças de segurança são subordinadas. O relator cogitou até incluir tempo de mandato e lista tríplice para os comandantes-gerais da PM nos Estados, hoje livremente escolhidos pelos governadores, mas recuou.
Dificilmente uma proposta dessa natureza será aprovada pelos deputados em um ano eleitoral. Mesmo que ela avance na Câmara, deve parar no Senado, onde os governadores têm mais influência. Pode-se discutir se o decreto-lei de 1969 que rege as forças de segurança deve passar por revisões, e há quem seja a favor de uma atualização. Mas certamente o momento para isso não é o ano de 2022, quando a única prioridade do presidente é distribuir benesses a seguidores para tentar se reeleger.
Em setembro, o governo já havia lançado o Habite Seguro, que criou condições mais vantajosas para financiar a compra de imóveis por profissionais da segurança pública em todo o País. Até agora, no entanto, apenas 274 contratos foram fechados e somente 665 estavam em análise nas agências da Caixa. Insatisfeita, a categoria já manifestou disposição para conversar com outros pré-candidatos ao Palácio do Planalto. A retomada das discussões da lei orgânica se insere nesse contexto em que Bolsonaro tenta evitar a perda do apoio de uma classe que sempre lhe foi fiel.
Na volta das férias, após concordar com a reserva de R$ 1,7 bilhão em recursos do Orçamento para o reajuste das carreiras policiais, o cada vez mais esvaziado ministro da Economia, Paulo Guedes, alertou Bolsonaro que contemplar apenas as forças de segurança vai elevar a pressão das demais categorias, que já entregaram cargos de confiança e realizaram operação-padrão em portos e fronteiras. O Supremo Tribunal Federal (STF) teria mandado o recado de que poderá obrigar o governo a conceder aumento para todos os servidores, caso seja acionado. Na equipe econômica, já há avaliação de que a promessa foi um erro e deflagrou uma briga política com outros funcionários públicos, que preparam paralisações e não descartam greves. Só quem não reconhece isso e renova essa estratégia autodestrutiva é o candidato Jair Bolsonaro.