Presidente Jair Bolsonaro manteve as despesas de R$ 16,5 bilhões com as emendas parlamentares do orçamento secreto enquanto os investimentos federais caíram para R$ 42,3 bilhões
O presidente Jair Bolsonaro (PL) blindou as emendas do orçamento secreto ao sancionar o Orçamento de 2022 e cortou os investimentos ao menor nível da história, um total de R$ 42,3 bilhões. O governo decidiu priorizar os recursos de maior interesse eleitoral de aliados, como o Auxílio Brasil, o fundo eleitoral e as verbas do RP-9.
O presidente deu aval aos R$ 16,48 bilhões em recursos do orçamento secreto aprovados pelo Congresso em dezembro. O esquema distribuiu dinheiro federal a aliados políticos em troca de apoio com menos transparência nos dois últimos anos, como revelado pelo Estadão, e foi considerado irregular pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No total, as emendas parlamentares vão somar R$ 35,6 bilhões em 2022 após os vetos, que ainda podem ser derrubados pelo Congresso. Além do RP-9, estão na conta as emendas indicadas individualmente por cada deputado e senador, pelas bancadas estaduais e pelas comissões. No Executivo, o controle sobre a distribuição dos recursos ficará nas mãos da Casa Civil, pasta comandada pelo Centrão, que já tem o maior poder no Legislativo.
O governo também decidiu manter o fundo eleitoral em R$ 4,96 bilhões em 2022, sem pedir um acréscimo para R$ 5,7 bilhões, como cogitado anteriormente. Ainda assim, a verba representa um volume de recursos públicos recorde para irrigar campanhas eleitorais. O chamado “fundão” destinou R$ 1,7 bilhão para a eleição de 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. Ou seja, os partidos políticos terão mais do que o dobro dos valores destinados nas últimas eleições para financiar os candidatos em 2022.
Investimentos
Com os vetos do presidente Jair Bolsonaro, a verba para investimentos federais caiu ainda mais e ficou em R$ 42,3 bilhões em 2022, o menor nível da história, conforme levantamento do Estadão/Broadcast. O recorde negativo já havia sido observado no projeto aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro (R$ 43,5 bilhões) , mas ficou ainda menor.
Do total de investimentos previstos para 2022, 40% será controlado pelo Congresso Nacional. Em uma análise sobre as despesas contempladas, é possível observar as prioridades: os ministérios que terão mais dinheiro para investir serão os da Defesa (R$ 8,8 bilhões), estratégico para Bolsonaro, e do Desenvolvimento Regional (R$ 7,5 bilhões), irrigado com emendas do orçamento secreto. Ficarão para trás Infraestrutura (R$ 6,5 bilhões), Saúde (R$ 4,6 bilhões) e Educação (R$ 3,4 bilhões).
A queda nos investimentos públicos abriu caminho para uma articulação que envolve retirar essas despesas do teto de gastos a partir de 2023. A proposta de mexer novamente na âncora fiscal entrou na campanha dos principais pré-candidatos a presidente em outubro, incluindo o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A medida divide especialistas. “O que eu defendo é pior, é extinguir o teto. Não adianta só tirar o investimento”, afirmou o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Raul Velloso calcula que a taxa de investimentos públicos em infraestrutura caiu de 3,9% do Produto Interno Bruno (PIB) em 1980 para 0,67% do PIB em 2019. Enquanto o Brasil investia em média 4,7% do PIB na década de 1980, o PIB cresceu 3,6%. De 1991 em diante, os índices caíram para 2,2% e 2,3%, respectivamente. “O Brasil não vai crescer se não expandir os investimentos”, disse o economista.
Para o especialista em infraestrutura Claudio Frischtak, seria necessário um investimento de aproximadamente 4,1% do PIB durante duas décadas para modernizar a infraestrutura do País. Hoje, o nível de investimentos públicos e privados está em 1,6%. “Com cobertor curto, em certa medida quem grita mais alto leva. De um lado, temos um grande volume de emendas, das quais a de relator é a mais distorcida, pela falta de transparência, e do outro o fundo eleitoral. A mistura desses dois acaba empurrando ainda mais os investimentos para um cantinho”, afirmou Frischtak.
Raul Velloso defende a substituição do teto por uma meta de dívida pública, em que esse índice possa ser inclusive revisto o aumento de despesas. Na opinião de Raul Velloso, o teto de gastos e a distorção das emendas do orçamento secreto complicam ainda mais o cenário das contas públicas. “É preciso olhar o mérito, e não o número. Em vez de usar o dinheiro para investir, estão usando para fazer coisas que ninguém sabe o que é. A responsabilidade fiscal tem que ser avaliada de uma forma diferente.”
Friscktak, no entanto, é contra mexer no teto de gastos. Ele defende duas reformas para recuperar os investimentos: melhorar as regras do Orçamento, acabando com as emendas do orçamento secreto, e a governança das despesas, considerando o retorno social dos gastos. “Temos dois grandes problemas: um volume muito limitado de investimentos e a má alocação. É um grande erro mexer no teto porque aderir ao teto força a fazer algo que ninguém gosta, que são escolhas. Se uma alteração for proposta com esse Congresso que o Executivo entregou o poder de gestão da economia e lavou as mãos, a emenda vai sair infinitamente pior que o soneto.”