Além da base entrar em parafuso, vice compara Putin a Hitler. Esse é o nível da bagunça que contaminou a diplomacia brasileira.
BOLSONARO ESTEVE COM PUTIN na Rússia na semana passada. Não fechou nenhum acordo concreto entre os dois países, mas garantiu ter tido “momentos de muita informalidade” com o presidente russo. O objetivo da viagem era outro: balançar o rabinho para Putin. Depois da saída de Trump, Bolsonaro precisava de um novo grande líder para se escorar no cenário internacional. A ânsia em bajular o russo era tanta que o presidente brasileiro, um anticomunista ferrenho, chegou a prestar homenagem a soldados soviéticos que morreram lutando em defesa do comunismo.
No encontro, Bolsonaro disse em nome do povo brasileiro que “somos solidários à Rússia”, se colocando ao lado de Putin no conflito com a Ucrânia. A fala vem de um presidente que até pouco tempo atrás pleiteava, com a ajuda de Trump, uma vaga para o Brasil na OTAN. Esse é apenas mais um episódio da série de patacoadas diplomáticas que corrói a boa imagem que a diplomacia brasileira construiu durante décadas.
O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, considerou a tomada de posição de Bolsonaro um erro e o orientou a fazer também uma visita à Ucrânia, o que não ocorreu. Martins tentou a todo custo demover o presidente da ideia de tomar lado no conflito e chegou a conversar com militares próximos do presidente para tentar convencê-lo, mas de nada adiantou. Isso significa que o mais lunático dos olavistas se mostrou mais sensato que o presidente. Esse é o tamanho do buraco que o Brasil está enfiado.
O aceno de Bolsonaro a Putin deixou a extrema direita brasileira confusa, pois os bolsonaristas tratam a Ucrânia como uma referência para os seus delírios ideológicos. A chegada da extrema direita ucraniana ao poder fez tanto a cabeça dos extremistas que criou-se o lema: “Vamos ucranizar o Brasil!”. A inspiração vem de milícias armadas ucranianas que se formaram durante os protestos sangrentos de 2014.
Na época, o governo ucraniano, pressionado por Putin, decidiu não assinar o acordo de integração com a União Europeia, gerando revolta na parte da população que o desejava. Durante os protestos, grupos neonazistas armados protagonizaram confrontos violentos com o governo, culminando com uma invasão do palácio do governo e a deposição do presidente. O golpe de Estado na Ucrânia liderado por neonazistas sempre foi motivo de admiração por parte da extrema direita golpista brasileira.
Como esquecer de Sara Winter, que dizia ser treinada na Ucrânia, organizando o “300 pelo Brasil” — uma milícia armada nos moldes ucranianos para ameaçar a vida de ministros do STF e insuflar um autogolpe de Bolsonaro?
Agora, com Bolsonaro prestando solidariedade ao maior carrasco da Ucrânia, bolsonaristas entraram em parafuso. Quem clamou pela “ucranização do Brasil” agora vê seu líder bajulando o grande inimigo dos grupos paramilitares ucranianos.
Todas essas contradições e incoerências do bolsonarismo fizeram com que o governo demorasse uma eternidade para se posicionar oficialmente após a invasão russa. Todos os principais líderes democratas do mundo já haviam condenado a invasão de imediato quando, no fim da manhã seguinte ao início dos ataques, o Itamaraty emitiu uma nota em que pede paz, mas não chega a condenar Putin diretamente.
Na nota, o governo “apela à suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão” — uma tentativa de compensar a solidariedade prestada pelo presidente a Putin. Ou seja, o governo brasileiro pediu a suspensão dos ataques uma semana após prestar apoio a Putin justamente no momento em que ele fazia ameaças de invasão.
Mas a bagunça só estava começando. Após a nota do Itamaraty, o vice-presidente Hamilton Mourão falou em nome do governo: “O Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que respeita a soberania da Ucrânia.” O vice também declarou apoio ao uso da força bélica contra os russos e comparou Putin a Hitler.
Enquanto o presidente exalta Putin como alguém que “busca a paz”, o vice o compara com Hitler. A essência das falas de Mourão estava alinhada à nota emitida pelo Itamaraty. Mesmo assim, Bolsonaro apareceu em sua live semanal, às quintas, desautorizando as falas do vice. Mourão e o Itamaraty ignoraram a posição do presidente no conflito e tentam agora tocar a máquina da diplomacia independentemente dele. Esse é o nível da bagunça da diplomacia brasileira.
Bastava o Brasil seguir suas tradições diplomáticas, mas Bolsonaro preferiu ser solidário aos anseios bélicos de Putin e deixou a batata quente nas mãos do Itamaraty, que tentou consertar o inconsertável.
Não há dúvidas de que o resultado disso tudo será o aprofundamento do isolamento do Brasil no cenário geopolítico, o que representará uma maior dificuldade para fechar acordos comerciais e trazer investimentos para um país que está quebrado economicamente.
Bolsonaro não sabe como fazer para se livrar da armadilha em que se meteu. Preocupado com sua imagem em ano eleitoral, é provável que recue da tomada de posição em favor de Putin sem dar maiores explicações. Mesmo depois de ter desautorizado Mourão publicamente, a tendência é ele enfiar o rabinho entre as pernas e passar a seguir as recomendações do Itamaraty. Não há como ele sair desse episódio sem ter a imagem arranhada, tanto no Brasil quanto no mundo. Daqui a algum tempo, Bolsonaro tentará reescrever a história falseando os episódios recentes. É o único jeito de fazer política que ele sabe.
A diplomacia brasileira, que passou por vários governos e sempre foi um orgulho para o país, hoje joga o país no ostracismo e vira motivo de profunda vergonha.