Ao rejeitar ação do PDT contra o prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, o STF defendeu as atribuições do Congresso e a estabilidade de sua jurisprudência
O PDT pretendia que o tempo de inelegibilidade previsto pela LC 135/2010 começasse a ser contado desde o início do cumprimento da pena, e a lei refere-se expressamente a “prazo de oito anos após o cumprimento da pena”. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 6630 era, portanto, uma tentativa de encurtar o retorno à vida política de pessoas condenadas pela Justiça e barradas pela Lei da Ficha Limpa por meio de uma interpretação criativa do STF.
Ao julgar o caso, o Supremo não entrou no mérito da Adin 6630. Por maioria de votos, o plenário do STF entendeu que o pedido por si só era inadmissível, uma vez que o dispositivo questionado tinha sido declarado constitucional pela Corte em 2012, no julgamento de outra ação. Com isso, a inelegibilidade permanece desde a condenação em segunda instância até oito anos após o cumprimento da pena, como dispõe a lei.
No julgamento, lembrou-se a jurisprudência do próprio STF a respeito da estabilidade das decisões judiciais. Não cabe ação de controle de constitucionalidade contra norma já declarada constitucional sem que tenha havido alterações fáticas ou jurídicas relevantes que justifiquem rediscutir o tema. Dessa forma, a decisão do Supremo expôs o absurdo da ação proposta pelo PDT, pedindo o oposto do que a lei dispõe e do que a jurisprudência prevê.
Deve-se notar que, diferentemente da maioria, o relator da Adin 6630, ministro Nunes Marques, achou que o pedido era sensato. Tanto é assim que, em dezembro de 2020, o ministro indicado por Jair Bolsonaro concedeu liminar monocrática, suspendendo o trecho da lei em relação aos processos de registro de candidatura das eleições municipais daquele ano. Ou seja, o bolsonarismo reclama que o Supremo é brando com os políticos e que seus integrantes agem excessivamente de forma individual, enfraquecendo o caráter colegiado da Corte. No entanto, quem atuou no caso exatamente assim – e, para piorar, contrariando a jurisprudência do próprio Supremo – foi o ministro escolhido por Jair Bolsonaro.
A Lei da Ficha Limpa tem sérios problemas de redação, o que suscitou diversas dúvidas e questionamentos na Justiça. Ao longo do tempo, o Judiciário defendeu, em boa medida, a aplicação da lei contra as tentativas de amenizar o seu rigor. A bem da verdade, a LC 135/2010 não tem nada de severa. Suas disposições trazem requisitos que, tivesse o eleitor uma postura de maior responsabilidade diante das urnas, seriam inteiramente dispensáveis. Basta pensar, por exemplo, que a Lei da Ficha Limpa torna inelegível quem foi condenado em segunda instância por “crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos” ou “crimes contra a vida e a dignidade sexual”. Ora, precisar de uma lei para impedir que esse tipo de gente ingresse na política diz muito sobre a democracia e a consciência cívica vigentes.
De toda forma, apesar de suas imperfeições e limitações, a Lei da Ficha Limpa segue em vigor e, não se pode negar, tem contribuído para uma maior moralidade da política. Eventuais correções da lei devem ser estudadas e realizadas no Congresso. Sem ter atribuição constitucional para reescrever a legislação, o Supremo faz apenas e tão somente o controle de constitucionalidade, o que, no caso da LC 135/2010, já foi realizado.
O STF fez bem em rejeitar a Adin 6630. A decisão da Corte foi importante não apenas por respeitar as atribuições do Legislativo, mas também por defender a estabilidade da jurisprudência, o que significa respeito pelo próprio Supremo.