STF defende a lei e a jurisprudência

By | 11/03/2022 8:06 am

Ao rejeitar ação do PDT contra o prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, o STF defendeu as atribuições do Congresso e a estabilidade de sua jurisprudência

Não raro, o Supremo Tribunal Federal (STF) é acusado de favorecer políticos corruptos e de mudar sua jurisprudência conforme as circunstâncias do momento. Essa crítica é bastante difundida, por exemplo, entre bolsonaristas. Pois bem, ao julgar uma ação proposta pelo PDT, que tentava abrandar a punição prevista na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar – LC – 135/2010), a Corte fez o exato oposto, protegendo sua prévia orientação jurisprudencial e mantendo integralmente o rigor da lei.

O PDT pretendia que o tempo de inelegibilidade previsto pela LC 135/2010 começasse a ser contado desde o início do cumprimento da pena, e a lei refere-se expressamente a “prazo de oito anos após o cumprimento da pena”. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 6630 era, portanto, uma tentativa de encurtar o retorno à vida política de pessoas condenadas pela Justiça e barradas pela Lei da Ficha Limpa por meio de uma interpretação criativa do STF.

Ao julgar o caso, o Supremo não entrou no mérito da Adin 6630. Por maioria de votos, o plenário do STF entendeu que o pedido por si só era inadmissível, uma vez que o dispositivo questionado tinha sido declarado constitucional pela Corte em 2012, no julgamento de outra ação. Com isso, a inelegibilidade permanece desde a condenação em segunda instância até oito anos após o cumprimento da pena, como dispõe a lei.

No julgamento, lembrou-se a jurisprudência do próprio STF a respeito da estabilidade das decisões judiciais. Não cabe ação de controle de constitucionalidade contra norma já declarada constitucional sem que tenha havido alterações fáticas ou jurídicas relevantes que justifiquem rediscutir o tema. Dessa forma, a decisão do Supremo expôs o absurdo da ação proposta pelo PDT, pedindo o oposto do que a lei dispõe e do que a jurisprudência prevê.

Deve-se notar que, diferentemente da maioria, o relator da Adin 6630, ministro Nunes Marques, achou que o pedido era sensato. Tanto é assim que, em dezembro de 2020, o ministro indicado por Jair Bolsonaro concedeu liminar monocrática, suspendendo o trecho da lei em relação aos processos de registro de candidatura das eleições municipais daquele ano. Ou seja, o bolsonarismo reclama que o Supremo é brando com os políticos e que seus integrantes agem excessivamente de forma individual, enfraquecendo o caráter colegiado da Corte. No entanto, quem atuou no caso exatamente assim – e, para piorar, contrariando a jurisprudência do próprio Supremo – foi o ministro escolhido por Jair Bolsonaro.

A Lei da Ficha Limpa tem sérios problemas de redação, o que suscitou diversas dúvidas e questionamentos na Justiça. Ao longo do tempo, o Judiciário defendeu, em boa medida, a aplicação da lei contra as tentativas de amenizar o seu rigor. A bem da verdade, a LC 135/2010 não tem nada de severa. Suas disposições trazem requisitos que, tivesse o eleitor uma postura de maior responsabilidade diante das urnas, seriam inteiramente dispensáveis. Basta pensar, por exemplo, que a Lei da Ficha Limpa torna inelegível quem foi condenado em segunda instância por “crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos” ou “crimes contra a vida e a dignidade sexual”. Ora, precisar de uma lei para impedir que esse tipo de gente ingresse na política diz muito sobre a democracia e a consciência cívica vigentes.

De toda forma, apesar de suas imperfeições e limitações, a Lei da Ficha Limpa segue em vigor e, não se pode negar, tem contribuído para uma maior moralidade da política. Eventuais correções da lei devem ser estudadas e realizadas no Congresso. Sem ter atribuição constitucional para reescrever a legislação, o Supremo faz apenas e tão somente o controle de constitucionalidade, o que, no caso da LC 135/2010, já foi realizado.

O STF fez bem em rejeitar a Adin 6630. A decisão da Corte foi importante não apenas por respeitar as atribuições do Legislativo, mas também por defender a estabilidade da jurisprudência, o que significa respeito pelo próprio Supremo.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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