Chamado de traidor por aliados, tucano ameaça manutenção de 27 anos de poder do partido em SP
O anúncio do governador João Doria (SP) de ficar no Palácio dos Bandeirantes e desistir da postulação pelo PSDB à Presidência implode o que restava do tucanato.
Claro, pode haver uma reversão de última hora ou a revelação de que tudo não passou de uma tentativa de enquadrar o partido, o que não melhora em nada a situação política colocada.
Não implode só o partido: se for continuar na política, o empresário que ascendeu de forma meteórica ao cargo de prefeito paulistano em 2016 terá dificuldades para convencer aliados a lhe angariar apoio. Novamente, pode haver um plano pronto, como uma ida especulada ao MDB ou ao União Brasil, mas isso não desfaz o mal-estar prevalente.
Curiosamente, traição é o termo usado pelo próprio Doria para descrever sua situação no PSDB. Não sem motivo: depois das encarniçadas prévias do partido, vencidas pelo governador, a ala que apoiou o gaúcho Eduardo Leite na disputa passou a trabalhar contra a postulação do tucano.
Doria nunca foi majoritário no PSDB, apesar de ter tomado controle do partido depois que deixou a prefeitura e venceu a eleição estadual em 2018. Tinha poucos aliados fora do seu estado e adversários poderosos na máquina, a começar pelo mineiro Aécio Neves.
Se é verdade que operaram contra ele, é igualmente fato que Doria cometeu diversos erros políticos. Um dos mais vistosos foi a tentativa de tomar o controle do PSDB para si, revelada pela Folha no começo do ano passado, em um jantar desastroso em São Paulo. O episódio deixou marcas até hoje, notadamente a desconfiança mútua entre o governador e o seu chefe de campanha, o presidente tucano Bruno Araújo.
Havia outras queixas. O voluntarismo marqueteiro de Doria, assumido pelo próprio até em peças de propaganda, era visto como veneno puro em pesquisas qualitativas Brasil afora. Ser antípoda efetiva de Jair Bolsonaro no poder e ter trazido a Coronavac para o Brasil nunca lhe rendeu os frutos almejados.
Patinando na rabeira das pesquisas, Doria conseguiu de todo modo avançar na montagem de uma frente com o MDB e o União Brasil, ainda que nada garantisse que ele seria o nome na cabeça da chapa da tal terceira via. Enquanto isso, o movimento interno contra sua candidatura ganhou corpo.
O vice-governador e “primeiro-ministro” de Doria é o mais afetado pelo gesto do chefe. Mesmo que Doria volte atrás, o estrago no esquema de poder que comanda São Paulo desde 1994 foi colocado a perder.
Simbolicamente, as fissuras já haviam sido explicitadas quando Alckmin deixou o partido e rumou para ser o vice de Luiz Inácio Lula da Silva, logo quem, pelo PSB. Mas agora, com a decisão inicial de Rodrigo de não disputar mesmo que Doria o apoie no cargo, um grande vácuo se abrirá.
Mesmo estando na casa dos 5%, Rodrigo reunia condições para deslanchar sua candidatura: relativamente desconhecido, com baixa rejeição e R$ 50 bilhões em obras para tocar. Tanto foi assim que montou, com apoio central do MDB e do União Brasil, uma chapa forte com José Luiz Datena para o Senado —aliás, o primeiro a chamar Doria de traidor em público.
Na hipótese de Doria ficar e tentar a reeleição, sua alta rejeição no estado torna a postulação uma aposta de alto risco, em especial pelo desarranjo que seu anúncio promoveu.
A incerteza que o incêndio iniciado por Doria deixa é grande, e apenas quando for possível separar as cinzas sua resultante será conhecida. Neste exato instante, o que se vê são apenas cacos do partido que governou o país por oito anos e tinha em São Paulo sua fortaleza.
Se não mantiver o estado, o oblívio desenhado pelo desastre eleitoral de Alckmin em 2018, quando teve menos de 5% dos votos no primeiro turno presidencial, poderá se tornar uma realidade.