Desistência anunciada de Doria implode o que resta do PSDB

By | 31/03/2022 12:50 pm

Chamado de traidor por aliados, tucano ameaça manutenção de 27 anos de poder do partido em SP

O anúncio do governador João Doria (SP) de ficar no Palácio dos Bandeirantes e desistir da postulação pelo PSDB à Presidência implode o que restava do tucanato.

Claro, pode haver uma reversão de última hora ou a revelação de que tudo não passou de uma tentativa de enquadrar o partido, o que não melhora em nada a situação política colocada.

O governador João Doria durante evento de vacinação no domingo passado (27), em SP
O governador João Doria durante evento de vacinação no domingo passado (27), em SP – Bruno Santos – 27.mar.2022/Folhapress

Não implode só o partido: se for continuar na política, o empresário que ascendeu de forma meteórica ao cargo de prefeito paulistano em 2016 terá dificuldades para convencer aliados a lhe angariar apoio. Novamente, pode haver um plano pronto, como uma ida especulada ao MDB ou ao União Brasil, mas isso não desfaz o mal-estar prevalente.

Curiosamente, traição é o termo usado pelo próprio Doria para descrever sua situação no PSDB. Não sem motivo: depois das encarniçadas prévias do partido, vencidas pelo governador, a ala que apoiou o gaúcho Eduardo Leite na disputa passou a trabalhar contra a postulação do tucano.

Doria nunca foi majoritário no PSDB, apesar de ter tomado controle do partido depois que deixou a prefeitura e venceu a eleição estadual em 2018. Tinha poucos aliados fora do seu estado e adversários poderosos na máquina, a começar pelo mineiro Aécio Neves.

Se é verdade que operaram contra ele, é igualmente fato que Doria cometeu diversos erros políticos. Um dos mais vistosos foi a tentativa de tomar o controle do PSDB para si, revelada pela Folha no começo do ano passado, em um jantar desastroso em São Paulo. O episódio deixou marcas até hoje, notadamente a desconfiança mútua entre o governador e o seu chefe de campanha, o presidente tucano Bruno Araújo.

Havia outras queixas. O voluntarismo marqueteiro de Doria, assumido pelo próprio até em peças de propaganda, era visto como veneno puro em pesquisas qualitativas Brasil afora. Ser antípoda efetiva de Jair Bolsonaro no poder e ter trazido a Coronavac para o Brasil nunca lhe rendeu os frutos almejados.

Patinando na rabeira das pesquisas, Doria conseguiu de todo modo avançar na montagem de uma frente com o MDB e o União Brasil, ainda que nada garantisse que ele seria o nome na cabeça da chapa da tal terceira via. Enquanto isso, o movimento interno contra sua candidatura ganhou corpo.

O vice-governador e “primeiro-ministro” de Doria é o mais afetado pelo gesto do chefe. Mesmo que Doria volte atrás, o estrago no esquema de poder que comanda São Paulo desde 1994 foi colocado a perder.

Simbolicamente, as fissuras já haviam sido explicitadas quando Alckmin deixou o partido e rumou para ser o vice de Luiz Inácio Lula da Silva, logo quem, pelo PSB. Mas agora, com a decisão inicial de Rodrigo de não disputar mesmo que Doria o apoie no cargo, um grande vácuo se abrirá.

Mesmo estando na casa dos 5%, Rodrigo reunia condições para deslanchar sua candidatura: relativamente desconhecido, com baixa rejeição e R$ 50 bilhões em obras para tocar. Tanto foi assim que montou, com apoio central do MDB e do União Brasil, uma chapa forte com José Luiz Datena para o Senado —aliás, o primeiro a chamar Doria de traidor em público.

Na hipótese de Doria ficar e tentar a reeleição, sua alta rejeição no estado torna a postulação uma aposta de alto risco, em especial pelo desarranjo que seu anúncio promoveu.

A incerteza que o incêndio iniciado por Doria deixa é grande, e apenas quando for possível separar as cinzas sua resultante será conhecida. Neste exato instante, o que se vê são apenas cacos do partido que governou o país por oito anos e tinha em São Paulo sua fortaleza.

Se não mantiver o estado, o oblívio desenhado pelo desastre eleitoral de Alckmin em 2018, quando teve menos de 5% dos votos no primeiro turno presidencial, poderá se tornar uma realidade.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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