Se pena do STF a deputado parece exagerada, perdão de Bolsonaro é um desvario
O indulto presidencial se justifica por razões humanitárias e pelo princípio de que condenados por faltas menos graves, que já cumpriram parte da pena e não representam ameaça podem ser reintegrados à sociedade. Como faz com tudo em que toca, Jair Bolsonaro (PL) aviltou o instrumento.
Aproveitou-se da prerrogativa constitucional em favor de seus caprichos pessoais, para beneficiar um parceiro de arruaças, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) —e sobretudo para reavivar sua cruzada de fundo golpista contra o Supremo Tribunal Federal.
Personagem minúsculo da vida congressual, Silveira deveria ter tido o mandato cassado por seus pares depois que, em fevereiro de 2021, gravou vídeo em que distribuía ataques chulos e ameaças veladas a ministros do STF e à corte.
Encorajado pela vexatória omissão da Câmara, o baderneiro prosseguiu na afronta ao tribunal, onde se tornara réu. Mesmo a subserviente Procuradoria-Geral da República entendeu que ele cometera os crimes de tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes, coação no curso do processo e incitação à animosidade entre as Forças Armadas e outras instituições.
Sem dúvida o Supremo —que condenou Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão, além de cassação do mandato e suspensão dos direitos políticos— tinha diante de si uma decisão difícil e potencialmente controversa.
Ao plenário cumpria, como advogou esta Folha, traçar com clareza as divisas entre o exercício da livre expressão e a incitação ao crime.
Isso foi feito. Como argumentaram convincentemente 10 dos 11 ministros, menções a atos da ditadura, surras nos magistrados e a uma invasão violenta do Supremo, dirigidas a fanáticos incitados pelo bolsonarismo contra as instituições, ultrapassam a mera manifestação de pontos de vista.
Em outras circunstâncias, a boçalidade antidemocrática do deputado obscuro teria caído no vazio e poderia ser ignorada pelo STF. Mesmo no contexto atual, o tamanho da pena imposta ao delinquente parece exagerado.
São ponderações que acabam nubladas, porém, pelo indulto vil de Bolsonaro, a jogar por terra os ritos e os objetivos de uma medida dessa natureza somente para, mais uma vez, trocar as responsabilidades de governo pelo conflito farsesco com inimigos inventados.
Haverá, decerto, argumentos para uma eventual derrubada da medida esdrúxula. Acima do aspecto jurídico, entretanto, a reação das instituições e das forças políticas deve ser pautada pela responsabilidade e pela grandeza que faltam ao presidente da República.