A briga de Bolsonaro é com a lei e com a democracia

By | 27/04/2022 7:29 am

STF não deve cair na provocação bolsonarista

Não há duelo entre Bolsonaro e STF. A Corte tem apenas cumprido seus deveres. E a briga do presidente é mais ampla e mais grave: é com a lei e com a democracia
(Editorial dO Estadão, 27 de abril de 2022)

Segundo o conto bolsonarista, o que se vê hoje no País seria o duelo entre Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF), nada mais que a disputa, própria do sistema de freios e contrapesos, entre dois Poderes da República. Esse discurso, aparentemente muito institucional, não tem nenhum apoio nos fatos. Os últimos dias foram especialmente significativos para desmascarar a falsa simetria entre o STF e o Palácio do Planalto, a começar pelo comportamento do próprio Bolsonaro.

Na semana passada, cumprindo suas funções constitucionais, o STF julgou uma ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que, em função do cargo, tem foro privilegiado. No julgamento da ação, não houve a rigor nada de estranho. O órgão judicial competente analisou a causa criminal, proferindo decisão de condenação por 10 votos contra 1. Era apenas o Judiciário fazendo o seu trabalho.

Ação penal não é tema do Executivo, mas Jair Bolsonaro viu, no caso, uma oportunidade para criar confusão. Sob o pretexto de conceder indulto, o presidente da República arrogou o direito de rever a decisão judicial, declarando que o deputado do PTB era inocente. Segundo Bolsonaro, as ações de Daniel Silveira estariam cobertas pela imunidade parlamentar.

O decreto presidencial não continha, portanto, nenhum perdão. Era nada menos que um novo entendimento jurisprudencial, proferido por órgão inteiramente incompetente. Não era o Executivo federal exercendo uma de suas atribuições constitucionais. Era Bolsonaro sendo Bolsonaro, convertendo todas as situações em ocasião de enfraquecer as instituições.

Desde os dois episódios da semana passada – condenação pelo Supremo e revisão da condenação pelo Palácio do Planalto –, os dois padrões de comportamento vêm sendo sistematicamente repetidos. De forma exemplar, o Supremo não caiu na provocação de Jair Bolsonaro. Fosse verdadeiro o discurso bolsonarista, seria a ocasião perfeita para o STF responder na mesma moeda. Mas não. O que se viu foram despachos técnicos, proferidos nos autos, tanto pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, como pela relatora da ação que questiona o indulto, ministra Rosa Weber.

Alexandre de Moraes determinou que o decreto presidencial seja juntado aos autos, lembrando o entendimento consolidado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que indulto não alcança a inelegibilidade relativa à condenação criminal. Em seguida, intimou a defesa de Daniel Silveira para que se manifeste sobre o decreto e sobre o descumprimento de medidas cautelares por parte do réu. Na outra ação, Rosa Weber abriu prazo de 10 dias para Jair Bolsonaro se manifestar sobre o indulto. Assim atua a Justiça: de forma técnica, nos autos.

Por sua vez, Jair Bolsonaro confirmou que seu objetivo nunca foi indultar Daniel Silveira, e sim criar tumulto. Uma vez que o Supremo não respondeu ao deboche de quinta-feira passada, Bolsonaro precisou recorrer a novos assuntos para manter o clima de aparente duelo. Na segunda-feira, chegou a dizer que talvez não cumpra a decisão do STF sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. “Se ele (Edson Fachin, relator da ação) conseguir vitória nisso, me restam duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar que não vou cumprir”, disse.

É constrangedor o comportamento de Jair Bolsonaro, em descarada procura de assuntos que o coloquem em colisão com o Supremo. Engana-se quem pensa, no entanto, que a briga do bolsonarismo é com a Corte constitucional. O presidente não está preocupado com eventual ida de Daniel Silveira à cadeia, tampouco com o STF, como se o motivo da desavença fosse a interpretação de algum ponto da Constituição.

A confusão provocada por Jair Bolsonaro é muito mais grave. É meio para enfraquecer as instituições e, assim, avançar com mais desenvoltura em sua caminhada rumo à impunidade da família e, quem sabe, à permanência indeterminada no poder. Não foi assim que Hugo Chávez fez?

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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