PEC quer cobrar mensalidade em universidade pública; entenda o que mudaria com fim da gratuidade (com comentário)

By | 24/05/2022 5:36 pm

Gratuidade seria mantida para alguns estudantes e valor mensal deve ser definido pelo MEC, conforme proposta; medida está na pauta da CCJ da Câmara desta terça

 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/2019 propõe cobrar mensalidade em universidades públicas. A ideia é que as instituições usem os recursos captados para dívidas de custeio, como água e luz, e que a gratuidade seja mantida para alunos que não tenham condições socioeconômicas de arcar com os custos. O valor mensal seria definido pelo Ministério da Educação (MEC). A PEC está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), da Câmara dos Deputados, desta terça-feira, 24.

 

UFRJ
Campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no bairro da Urca, na zona sul; PEC quer cobrar mensalidade de estudantes de universidade pública Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

O CCJ precisa avaliar a admissibilidade da proposta. Ou seja, se a PEC não viola as cláusulas pétreas da Constituição. Caso seja admitida, tem mérito analisado por uma comissão especial, que pode alterar a proposta original – com prazo de 40 sessões para votação. Só então ela vai ao plenário da Casa Legislativa. Por ser uma PEC, a aprovação depende dos votos favoráveis de 3/5 dos deputados (308), em dois turnos.

Autor da proposta, o deputado federal General Peternelli (União Brasil -SP) justifica a mudança no artigo 206 da Constituição com base no relatório Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasilelaborado pelo Banco Mundial em 2017. O estudo da entidade diz que o gasto brasileiro com estudantes do ensino superior público é “muito superior” ao de países como a Espanha e a Itália, por exemplo.

Peternelli, que está entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, escreveu que a “maioria dos estudantes dessas universidades acaba sendo oriunda de escolas particulares e poderiam pagar a mensalidade”. “Não seria correto que toda a sociedade financie o estudo de jovens de classes mais altas.” A PEC é relatada pelo deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP).

“A gratuidade generalizada, que não considera a renda, gera distorções gravíssimas, fazendo com que os estudantes ricos – que obviamente tiveram uma formação mais sólida na educação básica – ocupem as vagas disponíveis no vestibular em detrimento da população mais carente, justamente a que mais precisa da formação superior, para mudar sua história de vida”, continua a justificativa.

Nesta segunda-feira, 23, o Estadão mostrou que os Institutos Villas Bôas, Sagres e Federalista apresentaram o seu Projeto de Nação, O Brasil em 2035. O odocumento, dentre outros pontos, prevê que a classe média deve pagar mensalidades nas universidades públicas

Na última década, a implementação das cotas socioeconômicas e raciais levou para as universidades alunos de perfil socioeconômico mais vulnerável. Pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), de 2018, indica que 70,2% dos alunos estão na faixa de renda mensal familiar per capita de 1,5 salário mínimo. Alunos que cursaram ensino médio em escolas públicas foram maioria absoluta (64,7%) – os que cursaram em particulares representaram 35,3%.

Nas redes sociais, entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) criticaram a proposta. “Nós não vamos pagar nada! Uma educação pública, gratuita e de qualidade é direito assegurado pela nossa Constituição!”, escreveu a UNE nas redes sociais.

Kim Kataguiri votou a favor de admitir a PEC

Peternelli afirma que, para garantir a gratuidade aos que necessitam, comissões de avaliação precisariam criar cadastros de pessoas que terão esse direito.  O MEC, por sua vez, deverá estabelecer de faixas de valores mínimos e máximos. “Idealmente, o valor máximo das mensalidades poderia ser a média dos valores cobrados pelas universidades particulares da região e o valor mínimo seria 50% dessa média. Mas isso será objeto de ulteriores estudos”, complementa o deputado.

O relator da proposta é o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP). Em dois pareceres, ele votou a favor da PEC – ou seja, pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e admissibilidade dela. “Não estamos eliminando o ensino público superior, muito menos na modalidade gratuita. A gratuidade continuará existindo, mas será restrita aos alunos que dela precisam”, defendeu o relator.

Kataguiri disse acreditar que a cobrança de mensalidade de alguns alunos não seja “retrocesso”. “Pelo contrário, trata-se de prestigiar a regra geral de igualdade – esta sim cláusula pétrea – que determina, no que tange às contribuições das pessoas ao Estado, que cada um contribua de acordo com sua capacidade financeira.”

Nossa opinião

Há mais de trinta anos tivemos uma experiência que me fez descobrir a injustiça da gratuidade do ensino superior. De 1975 a 1978, frequentei, em Recife,  o curso noturno de Jornalismo, na Universidade Católica de Pernanbuco. O curso era pago e a maioria dos meus colegas eram trabalhadores ou filhos de trabalhadores, que “ralavam” para pagar as mensalidades. Alguns colegas saíam do trabalho e jantavam um simples cachorro quente, por que  haviam saído direto do trabalho e não haviam tido tempo de jantar em casa, nem podiam pagar um lanche mais substancial. Eu era um dos poucos que, por só ir trabalhar depois de meia noite, na época no CESEC do Banco do Brasil, havia saído de casa “jantado”.

De 1984 a 1989 cursei Direito, no período da manhã, na Universidade Federal de Pernambuco. Aí, a maioria dos meus colegas ou era “filhinho de papai” ou era profissional liberal bem sucedido. Um dos colegas era alto funcionário da CHESF. No final do curso, entre os possíveis laureados, estávamos ele, dois filhinhos de papai e eu. O laureado foi um dos “filhinhos de papai”, hoje procurador regional da República em Pernambuco, altamente competente.

Foi nestes dois períodos que senti a diferença. A maioria dos estudantes da escola pública superior eram pessoas de boa capacidade financeira, oriundos de boas escolas e bons cursinhos. A maioria dos estudantes da Católica eram trabalhadores ou filhos de trabalhadores.

Hoje a situação melhorou muito, por conta do FIES, do ENEM e das cotas, mas as melhores faculdades continuam cheios de estudantes que vieram das escolas particulares.

Na época em que estudei havia uma grande dificuldade para garantir a gratuidade, para os alunos menos favorecidos. Era a falta de critérios justos. O critério mais fácil de utilizar seria o daqueles que pagavam imposto de renda, mas naquela época muita gente conseguia sonegar os impostos ou era beneficiado pelas isenções. Lembro-me que no começo da década de setenta, na condição de funcionário iniciante do Banco do Brasil eu já pagava imposto de renda, enquanto o maior fazendeiro da região, sogro de deputado, não pagava um tostão.

Hoje, com a informatização das informações, é mais fácil estabelecer critérios mais justos e o Cadastro Único é um deles dos mais confiáveis, apesar de algumas falhas ainda possiveis. Com critérios justos e sem politicagem é possível fazer uma seleção criteriosa de quem merece a gratuidade. Desde que acompanhado, é claro, de uma sistema de fiscalização que evite os desvios e as maracutaias, ainda tão comuns que todas as atividades.

Torcemos pela implantação da lei, desde que haja critérios e fiscalização para evitar as tradicionais safadezas de que o brasileiro, do cidadão comum à autoridade, é capaz.

Por fim, sem falsa modéstia, me confesso um privilegiado. Filho de comerciario e de mãe doméstica, tiver o privilégio de estudar em duas das melhores escolas do interior do Estado, na época. Fiz o ginásio no Seminário Nossa Senhora da Assunção, em Cajazeiras, e o científico no Colégio Estadual de Patos. Isto me permitiu a aprovação em dois vestibulares e dois concursos públicos exigentes, sempre em boa colocação. E quem passou por estes dois estabelecimentos sempre se deu bem na vida. (LGLM)

 

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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