Dona Nenzinha
(Damião Lucena, jornalista e historiador)
Figura das mais simples, pobre de recursos financeiros e rica de ações solidárias, que, com sua humildade e cidadania, cativou muitos sertanejos por iniciativas práticas de acolhimento pessoal ou encaminhamento de acolhida. Imaginar que foram quatro os seus filhos adotivos, além dos outros quatros naturais, sem falar na contribuição decisiva na viabilidade de lares para órfãos, filhos de mulheres aventureiras com homens comprometidos ou outras ações que fogem a responsabilidade de criação dos que originam. O enunciado traz apenas uma das muitas qualidades da personagem eternizada na Capital do Sertão da Paraibana.
Josefa Cunha de Lima, mais conhecida por Nenzinha Cunha Lima, integrante de uma das mais tradicionais famílias políticas de Campina Grande, por ironia do destino, nasceu em Patos, na Praça Frei Caneca, no dia 08 de junho de 1922, onde o seu pai Alfredo e sua mãe Helena aportaram prestes a sua chegada. Nas prendas do lar, os ensinamentos maternos ao lado da prole, em uma época de poucas oportunidades, principalmente para o público feminino. Ofício de lavadeira, uma das poucas opções daquele tempo, mais tarde o casamento, em 1959, com o eletricista da Prefeitura, Severino Benedito (Seu Biu), e a missão de constituição da família, a partir da primeira filha: Carmem Lúcia, sequenciada por Zélia, José William (Zé Pimbão) e Francisco de Assis (Didi), além dos adotivos que fez questão de registrar: Iraquitânia, Paulo Antônio, Ana Cármem e Laércio (Jaburu).
Nenzinha foi uma das pioneiras na instalação de pensionato, fornecendo moradia e refeições aos estudantes dos primeiros cursos superiores instalados em Patos, através da Fundação Francisco Mascarenhas. Bastante comunicativa, fez amizades inúmeras e sinceras com clientes e amigos, passando a influenciar em diversos setores, inclusive na Saúde, sendo sempre procurada por médicos, a exemplo de Dr. Olavo Nóbrega, para encaminhar processos de adoção que, a exemplo dos próprios, fazia questão de viabilizá-los, inclusive com passagem pelo cartório. Durante muitos anos, residindo na rua Cônego Bernardo, sempre era procurada por amigos e amigas para aconselhamentos diversos, se envolvendo em problemas de outras pessoas como se fossem os seus, na busca de ajudar nas soluções. Engraçada, até certo ponto folclórica, por várias vezes recebeu a visita do seu primo Ronaldo Cunha Lima, que chegou a ser governador da Paraíba. Com o falecimento do seu esposo, em 1977, assumiu todas as responsabilidades familiares e seguiu seu destino até 17 de fevereiro de 2005, quando faleceu em decorrência de uma embolia cerebral, originada de um acidente doméstico, enquanto trabalhava e fraturou a perna, cujo estado de saúde fora agravado com o gesso, uma vez que era portadora de varizes, originando um coágulo que alcançou a cabeça.
Nenzinha se tornou em vida e após o encontro com Deus uma figura inspiradora que desprezou a ambição para mostrar a verdadeira lição terrena de morada passageira e preparação para a eternidade. Com esse orgulho, por ela deixado, familiares e amigos se unem para comemorar o seu centenário de nascimento, revivendo na lembrança os seus grandes dotes de esperança.
Nossa opinião
Damião Lucena disse tudo que se tinha a dizer sobre Nenzinha Cunha Lima, embora ela tenha ficado mais conhecida, pelos meninos e meninas que encaminhou para adoção, cedidos por mães pobr, es ou solteiras, que os haviam parido na Maternidade e que não os podiam criar e Nenzinha, prevenida pelas parteiras, os encaminhava para famílias que haviam previamente manifestado a ela o interesse em criar uma destas crianças. E segundo alguns, às vezes, os próprios pais assumiam a criação de filhos tidos fora de casa. Só Deus sabe quantas destas crianças foram encaminhadas para adoção por ela, em Patos e cidades vizinhas. Algumas destas crianças ela terminou criando.
- Nenzinha era velha e querida amiga da nossa família, amizade feita nas duas vezes em que moramos nas ruas Cônego Bernardo e Deodoro da Fonseca, esquina com a Capitão Ló, na nossa infância e adolescência. Nesta última casa, já rapaz eu me admirava de como minha mãe, quase sem sair de casa sabia de tudo quanto acontecia na vizinhança e na cidade de Patos, até descobrir que todo dia, Nenzinha ia lá em casa, que ficava a uns trinta metros da sua casa e “batia um papo” com minha mãe, atualizando sobre as novidades.
- Mais tarde, já casado com Arlene e residindo em Recife, mas com esta segunda relação mal-recebida pela minha família e a dela, Nenzinha nos dava todo apoio, nas vezes em que íamos a Patos.
- Na década de noventa, meu pai, que já morara em algumas casas da Deodoro da Fonseca, tornou-se inquilino de Nenzinha numa casa dela na Cônego Bernardo. Lá ela era uma espécie de anjo da guarda de meu pai, que fazia refeições na casa dela, como muitos estudantes na época. E se meu pai, que aos oitenta anos morava sozinho, não “amanhecesse o dia” varrendo “o próprio terreiro”, ela ia saber o que tinha acontecido.
- Neste período, nós morávamos na Deodoro da Fonseca e, quando aconteceu o acidente que matou meu pai, foi Nenzinha quem o preparou para o sepultamento. Nesta época, Nenzinha virara quase uma pessoa da família, cozinhando e lavando para nós, sempre que ficávamos sem uma “secretária”, ou cozinhando nosso “pirão de corredor” de todos os domingos, para delícia de meu pai. Sua morte muito nos entristeceu, a mim, a Arlene e às crianças, como se fora um parente muito próximo.
- Esta amizade se estendeu a suas filhas Iraquitânia e Ana Cármen, assim como aos seus netos, Severino Neto (filho de Zé Pimbão) e Ana Lívia (filha de Ana), nossos amigos até hoje. Por tudo isso, nos juntamos a esta homenagem que se faz a Nenzinha pela passagem de seu centenário de nascimento. Em nome da família queremos agradecer a Damião Lucena que a conheceu de perto e participou desta homenagem. (LGLM)