O pragmatismo do Centrão
Grupo que sustenta o governo cobra plano para recuperar candidatura de Bolsonaro, mas já arquiteta discurso pró-Lula e discute comando do Legislativo em 2023
O presidente Jair Bolsonaro mantém a aposta no discurso ideológico para mobilizar sua base mais fiel, mas suas motociatas têm esbarrado nos limites da dura realidade econômica vivida pela maioria da população. Apontada como causa da estagnação de sua candidatura nas mais recentes pesquisas eleitorais, a inflação tem levado ansiedade ao Centrão. Reunião de partidos fisiológicos que dão apoio ao governo, o grupo ampliou a pressão sobre o Executivo por alguma solução – qualquer que seja – para o preço dos combustíveis. Foi nesse contexto que nasceu o plano de recuperação da candidatura do capitão da reserva, batizado de “it’s now or never”, ou “é agora ou nunca”, numa livre tradução da famosa canção de Elvis Presley.
Revelado pelo Estadão, o projeto é tão ambicioso quanto fantasioso: reverter, urgentemente, a percepção do eleitor a respeito da realidade econômica do País para que o governo “possa começar a jogar”. É um ajuste nem um pouco trivial em relação ao discurso reverberado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principais lideranças do Centrão que projetavam Bolsonaro à frente das pesquisas até este mês. A meta, agora, é encontrar uma forma de aliviar os preços dos combustíveis e de devolver aos eleitores a sensação de que vão conseguir quitar suas dívidas e voltar a consumir – e, não se sabe exatamente como, relacionar essa improvável melhora a Bolsonaro.
O cenário ajuda a explicar a miríade de ideias estapafúrdias que têm surgido na seara econômica. Nesse debate, tudo está em jogo, menos, claro, as emendas parlamentares. Serão quase R$ 36 bilhões neste ano entre emendas individuais, de bancada, de comissão e de relator-geral, até agora livres de qualquer contingenciamento por parte do Executivo, ao contrário de áreas como Saúde, Educação e Ciência e Tecnologia, alvo de cortes de alcance bilionário. A prioridade do governo é a sobrevivência de Bolsonaro.
O fato, contudo, é que nem todo esse dinheiro tem garantido apoio incondicional do Centrão ao governo, o que apenas confirma a essência da custosa e desequilibrada parceria que garantiu a manutenção de Bolsonaro no cargo. Mal chegou junho, mês que costuma marcar o fim dos trabalhos legislativos em anos eleitorais, alguns integrantes da base aliada já não escondem seu ceticismo em relação à candidatura de Bolsonaro. “O povo elege pelo bolso, e quem ganha abaixo de dois salários mínimos não compra mais nada no supermercado, está passando fome. Esses não votam no presidente, não”, disse o deputado José Nelto (PP-GO).
Quando a equipe econômica perdeu o controle da execução dos recursos do Orçamento para o ministro Ciro Nogueira, ventilou-se a versão segundo a qual “ninguém perde o que já não tinha”. Foi uma forma de minimizar a repercussão negativa do decreto, destacando que a distribuição de verbas sempre havia sido uma decisão política, não financeira. Os movimentos mais recentes do Centrão mostram que o governo é muito mais coadjuvante do que parecia.
O Centrão nunca foi aliado de Bolsonaro, porque aliança presume compartilhamento de poder. A relação desse grupo político com o presidente, na verdade, é de suserania e vassalagem. Bolsonaro se salvou de um impeachment líquido e certo em troca da entrega do controle do governo e do Orçamento ao Centrão. Essa é a natureza do Centrão, que estará com qualquer governo, “até mesmo com Lula”, como uma das lideranças admitiu à reportagem.
A presença do ex-tucano Geraldo Alckmin na chapa de Lula decerto servirá aos supostos liberais do Centrão como justificativa para aderir à agenda estatólatra dos petistas. Na prática, contudo, o Centrão não estará na oposição, ganhe quem ganhar, porque pretende manter intacto o edifício fisiológico que construiu na atual legislatura. Assim, enquanto Bolsonaro segue sem rumo, o Centrão cuida da vida e já discute a sucessão do comando da Câmara e do Senado e a divisão do espólio das emendas parlamentares para o ano que vem.