Advocacia pessoal
Jair Bolsonaro (PL) já deu provas mais do que suficientes de seu entendimento precário acerca do papel das instituições do Estado e do sistema de freios e contrapesos da democracia. Comporta-se com frequência como se gerisse uma estrutura pública a serviço de seus interesses privados, caprichos ideológicos e conveniências eleitorais.
São conhecidas as manobras do presidente, por exemplo, para interceder na defesa de parentes e amigos investigados por supostas irregularidades. Com esse objetivo, não hesitou em provocar crise ministerial e alimentar turbulências na Polícia Federal.
Segundo dados do setor de estatísticas do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro, com três anos e meio de mandato, já superou todos os seus antecessores no uso da Advocacia-Geral da União (AGU, órgão encarregado da representação jurídica do governo) para tentar remover entraves à sua gestão.
No governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foram quatro; Dilma Rousseff (PT) recorreu dez vezes; Michel Temer (MDB), duas.
Assim como em outras frentes, a atuação agressiva de Bolsonaro na AGU também causou conflitos, como a demissão, em 2020, do então advogado-geral José Levi, que deixou de assinar uma ação contra decretos de governadores para impor restrições a serviços não essenciais durante a pandemia.
Levi foi substituído por André Mendonça, posteriormente indicado pelo presidente ao STF.
Um episódio que se destaca nesse terreno é o uso de advogados da União na defesa de Bolsonaro e de sua ex-funcionária Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí, numa ação de improbidade administrativa em curso na Justiça Federal de Brasília.
O caso teve início após a Folha ter apontado, em reportagem de 2018, sinais de que Wal do Açaí havia sido uma funcionária fantasma do antigo gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
O Ministério Público Federal, diga-se, considera irregular a defesa, uma vez que não caberia à AGU atuar em favor de uma funcionária do então parlamentar, suspeita de gerar prejuízo aos cofres públicos.
Neste ano eleitoral, não é pequeno o risco de que Bolsonaro torne mais amplo e frequente esse tipo de expediente —o que, aliás, já se tem observado. Para conter os abusos, é preciso que as instituições contra as quais o mandatário se bate respondam à altura.