Jair Bolsonaro é, com todo o rigor, anticonstituição

By | 27/06/2022 7:11 am

O revanchismo contra a Constituição de 88

O bolsonarismo antagoniza o STF porque a Corte representa a defesa dos princípios constitucionais que protegem minorias e impedem os desvarios da extrema direita

(Editorial dO Estadão, 27 de junho de 2022)

A campanha de Jair Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal (STF) é tática diversionista. É muito mais cômodo criticar decisão da Corte constitucional do que resolver os problemas nacionais e governar com responsabilidade. Mas o enfrentamento com o Supremo, que o bolsonarismo alçou à categoria de prioridade máxima, tem raízes mais profundas do que simples oportunismo político. Na realidade, o inimigo de Jair Bolsonaro não é a Corte, tampouco seus integrantes. Seu inimigo é a Constituição de 1988. E é dessa relação de oposição que nasce o antagonismo do bolsonarismo com o STF, cujo papel é defender a Constituição.

Toda a vida política de Jair Bolsonaro, que se inicia em fevereiro de 1989 como vereador da cidade do Rio de Janeiro, está marcada por uma constante fundamental: o revanchismo contra a Constituição de 1988. Nessa seara, o aspecto que chama mais a atenção é a sua indignação com o fim da ditadura militar e a restauração do regime democrático. Nessas três décadas e meia de vigência da Constituição, Jair Bolsonaro é, sem sombra de dúvida, uma das pessoas públicas que mais fizeram apologia do regime militar.

No entanto – e aqui é o ponto que se deseja frisar –, a discordância de Jair Bolsonaro com a Constituição de 1988 vai muito além da questão, importantíssima obviamente, referente ao regime democrático. A proposta política do bolsonarismo é a antítese exata de tudo o que foi estabelecido na Assembleia Constituinte. Era simplesmente impossível, portanto, que o governo de Jair Bolsonaro não colidisse frontal e decisivamente com o STF, zelador da Constituição.

Por exemplo, a defesa que o bolsonarismo faz do Ato Institucional n.º 5 (AI-5) não é mera provocação. Há uma profunda identificação de Jair Bolsonaro e seus seguidores com o decreto da ditadura que (i) deu poder ao presidente da República para decretar o recesso do Congresso e a intervenção nos Estados e Municípios e (ii) suspendeu a garantia de habeas corpus, ação judicial que protege a liberdade individual contra prisões ilegais. Ora, todo o art. 5.º da Constituição de 1988, sobre os direitos e garantias fundamentais, foi construído precisamente à luz do que o AI-5 produziu de arbítrio, censura, repressão e cerceamento das liberdades civis e direitos individuais.

A liberdade é outro ponto paradigmático de dissensão entre o bolsonarismo e a Assembleia Constituinte. Generosa na concessão e na proteção das liberdades individuais, a Constituição de 1988 não flerta em nenhum momento com a concepção bolsonarista de liberdade: uma liberdade absoluta, entendida como autorização irrestrita para cada um, de maneira irresponsável e impune, fazer o que bem entender, sem respeitar os outros e seus direitos. Tendo sempre feito troça dos direitos humanos, Jair Bolsonaro é diametralmente oposto à estrutura fundamental da Constituição de 1988, cujo primeiro alicerce é o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por rejeitar o equilíbrio entre dignidade humana e liberdade estabelecido pela Constituição de 1988, que será depois o fundamento dos direitos sociais, o bolsonarismo é contrário à função social da propriedade rural (art. 186) e do espaço urbano (art. 182). Não por outra razão, em 2019, o senador Flávio Bolsonaro apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar os dois artigos. É a face desumana e reacionária do bolsonarismo a revelar-se sem pudores.

A Constituição de 1988 tem muitos defeitos. No entanto, o bolsonarismo volta-se, eis o grave retrocesso, contra as suas qualidades. Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro colocou-se como o anti-Lula. Na Presidência da República, dedica-se a ser visto como o anti-STF. Mas tudo isso é circunstancial. Jair Bolsonaro é, com todo o rigor, anticonstituição. Ao longo de sua carreira política, ele tem representado e verbalizado a voz dos perdedores de 1988, aqueles que se opuseram e continuam a se opor ao Estado Democrático de Direito. Daí que sua batalha atual seja contra as eleições e as urnas. Tudo integra o mesmo pacote autoritário e antirrepublicano.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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