Bolsonaro assina decreto para tentar se blindar de eventual crime com benefícios em ano eleitoral

By | 28/06/2022 3:26 am

Advocacia-Geral da União terá a palavra final sobre a legalidade da criação de benefícios e outras políticas públicas

(Matheus Teixeira e Marianna Holanda, na Folha, 27.jun.2022)

O presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou um decreto nesta segunda-feira (27) para permitir que a AGU (Advocacia-Geral da União) dê o parecer final sobre a legalidade de ações do governo em ano eleitoral.

A medida foi elaborada para tentar blindar o chefe do Executivo sobre possível cometimento de crime por criar ou ampliar benefícios no ano das eleições.

O presidente Jair Bolsonaro no Planalto – Evaristo Sa-20.jun.22/AFP

A legislação estabelece diversas restrições a todos os governantes às vésperas da disputa eleitoral e há o receio no governo de que essas previsões sejam violadas caso Bolsonaro aumente o Vale Gás e o Auxílio Brasil e crie um auxílio para ajudar caminhoneiros em meio à alta dos combustíveis.

O chefe do Executivo tem aparecido atrás do ex-presidente Lula (PT) em todos os levantamentos e, na última pesquisa Datafolha, apareceu com 19 pontos percentuais abaixo do petista.

Para isso, o governo tem tentado achar soluções para viabilizar a criação de benefícios sociais.

Uma das possibilidades aventadas é incluir a instituição de um auxílio para caminhoneiros, por exemplo, em uma PEC (proposta de emenda à Constituição), o que ajudaria a reduzir os questionamentos eleitorais. A expectativa é contemplar entre 700 mil e 900 mil caminhoneiros autônomos com o vale.

Geralmente, os pareceres sobre esse tipo de política pública são dados pelas consultorias jurídicas dos ministérios envolvidos nas discussões. Agora, a palavra final caberá à AGU, que é chefiada por Bruno Bianco, funcionário de carreira do órgão e homem de confiança do presidente.

O governo informou que o decreto “estabelece fluxo de consulta ao Advogado-Geral da União em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com a legislação eleitoral e financeira aplicável ao final do mandato”.

“No último ano do mandato presidencial, todos os governantes se deparam com as limitações da legislação eleitoral e da legislação financeira. Entre as restrições normativas, encontram-se dispositivos cujos contornos são ambíguos e geram muitas dúvidas na aplicação prática”, afirmou o Executivo.

Atualmente, a AGU só é chamada a dar esse tipo de parecer em algumas exceções, como quando há pareceres conflitantes entre mais de um órgão do governo.

O advogado especialista em direito eleitoral Ricardo Penteado questiona por que o governo disciplinou essa função da AGU apenas para o último ano de mandato. Ele afirma que a Constituição já prevê que o órgão faça a assessoria jurídica do presidente.

“Ele instituiu uma função que para mim parece absolutamente desnecessária. Para mim, parece estar preparando o advogado-geral da União para ser uma espécie de advogado eleitoral que assuma responsabilidades —e isso é muito esquisito. Ou você regulamenta a função constitucional do AGU tendo em vista o interesse do Estado, ou você faz isso tendo em vista o interesse de um candidato à reeleição”, diz.

O decreto desta segunda prevê que caberá à AGU opinar sobre “os tópicos em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com as normas de direito eleitoral e de direito financeiro, no último ano do mandato presidencial”.

Penteado afirma que o último trecho da norma expõe “uma conotação eleitoral muito assumida”.

“Do ponto de vista da técnica legislativa, se eu fosse o advogado-geral da União eu ia dizer para o presidente: se o senhor tem dúvida a respeito disso, não precisa. A minha obrigação não se limita ao último ano de mandato”, diz.

O advogado Marcelo Issa, especializado em transparência eleitoral, afirma que um eventual parecer da AGU a favor da criação de novos auxílios e da ampliação de outros benefícios não tem poder para eximir Bolsonaro de eventuais violações à legislação eleitoral.

“A Justiça segue tendo a prerrogativa de avaliar se uma eventual benesse concedida no período eleitoral viola a lei eleitoral ou não. A manifestação da AGU não impede que o Judiciário posteriormente reconheça alguma infração à lei”, afirma.

E prossegue: “Fica claro que é sim é uma tentativa de centralizar na AGU a avaliação interna, porque no fim das contas é disso que se trata, da legalidade de eventuais medidas que possam ter impacto eleitoral”.

Ele explica que a legislação veda a instituição de benefícios no ano do pleito. “A lei diz que, no ano da eleição, é proibida a distribuição de bens, valores ou benefícios, exceto em casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais cuja a legislação já esteja aprovada e com execução orçamentária no ano anterior”, afirma.

Issa acredita que pode ficar caracterizada a violação à lei eleitoral mesmo com a aprovação de uma PEC e com a instituição do estado de emergência.

“Mesmo que o governo seja bem-sucedido nessa empreitada, não fica imune a eventuais questionamentos judiciais. Isso porque, mesmo assim seria possível que houvesse alguma ação sobre o caráter desse eventual estado de emergência no sentido de que ele poderia eventualmente ser uma burla à legislação eleitoral”, diz.

Já Tarcísio Vieira de Carvalho, advogado eleitoral do presidente, elogia o decreto. “A iniciativa, em ano eleitoral, é deveras inteligente. Formata um padrão uniforme de comportamento administrativo e, adicionalmente, denota legítima preocupação com o integral cumprimento da legislação eleitoral. Melhor prevenir do que remediar”.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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