Quando é necessário dizer o óbvio
A campanha de Bolsonaro contra as urnas é gravíssima. Mas, como lembrou o presidente do Senado, quem for eleito em outubro tomará posse em 2023. A democracia prevalecerá
Perante a campanha golpista de Jair Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, é muito oportuno que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, recorde a realidade. “No dia 1.º de janeiro, aqui estaremos, no Congresso Nacional, a dar posse ao presidente da República eleito pelas urnas eletrônicas do nosso país, seja qual for o eleito”, disse o senador na abertura dos trabalhos legislativos no segundo semestre.
É desalentador que as circunstâncias políticas atuais exijam dizer um aspecto óbvio do regime democrático – quem vencer nas urnas tomará posse –, mas o fato é que, perante a insistência do presidente da República em desacreditar o sistema eleitoral, é necessário que o País tenha a tranquilidade de saber que o resultado das eleições será respeitado. O presidente do Senado faz muito bem em transmitir essa segurança à população.
As ações de Jair Bolsonaro contra a Justiça Eleitoral são gravíssimas, podendo ser enquadradas como crimes de responsabilidade e crimes eleitorais. Para piorar, em sua campanha contra a realização pacífica das eleições, o presidente da República tenta envolver o bom nome das Forças Armadas. A Lei 1.079/50 lista, entre os crimes de responsabilidade contra os direitos políticos (art. 7.º), “utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral” (inciso 4), “incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina” (inciso 7) e “provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis” (inciso 8). De toda forma, sem minimizar em nada a gravidade das ações de Jair Bolsonaro, é preciso reconhecer o que Rodrigo Pacheco destacou: o presidente da República eleito pelas urnas, seja quem for, tomará posse no dia 1.º de janeiro de 2023.
A loucura bolsonarista precisa continuar sendo o que sempre foi: a loucura de Jair Bolsonaro. Ele pode até fazer reuniões absurdas com embaixadores estrangeiros e difamar a democracia brasileira, mas a realidade se impõe: as urnas eletrônicas brasileiras são referência mundial, como asseguraram, entre outros países, os Estados Unidos e a Inglaterra. “As urnas eletrônicas têm sido motivo de orgulho nacional e trouxeram, nestes 26 anos de uso no Brasil, transparência, confiabilidade e velocidade na apuração do resultado das eleições. Elas têm-se constituído em ferramenta poderosa contra vícios eleitorais muito frequentes na época do voto em papel. Representam, portanto, um verdadeiro aperfeiçoamento institucional”, lembrou o presidente do Senado.
Nesse abissal isolamento de Jair Bolsonaro – similar ao dos tempos em que ameaçava explodir bombas em quartéis do Exército –, desvela-se uma vez mais a falta de autoridade de suas palavras. Em razão do cargo que Jair Bolsonaro ocupa, o que ele fala tem peso e produz particulares consequências jurídicas – por exemplo, suas ações são aptas a serem enquadradas como crime de responsabilidade –, mas isso não significa que a sua vontade de causar confusão nas eleições se imponha por si só.
Se o bolsonarismo destampou a triste realidade de que uma parcela da população flerta e transige com o autoritarismo populista, ele também mostrou que a imensa maioria da população está do lado do regime democrático, da realização pacífica das eleições e da aceitação do resultado das urnas. Mesmo lideranças políticas alinhadas com Jair Bolsonaro, que se beneficiam diretamente do desgoverno bolsonarista, têm reiterado sua confiança nas urnas. “Sempre fui a favor da democracia e de eleições transparentes e confio no sistema eleitoral”, disse, na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Eis o panorama atual. Não há como reduzir a gravidade de tudo o que Jair Bolsonaro vem fazendo contra as eleições, assim como não há como ele ficar impune depois de tudo o que já fez. Ao mesmo tempo, sem nenhuma transigência e sem deixar de estar alerta, é preciso reafirmar que as eleições ocorrerão pacificamente e que o eleito tomará posse. O clima de tensão só interessa aos bolsonaristas.