Governo tem de decidir se o País está em crise ou bombando

By | 05/09/2022 7:07 am

O incrível país que vai bem e vai mal

Ao cogitar a renovação do inventado estado de calamidade para manter o Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023, Guedes e Bolsonaro têm de decidir se o País está em crise ou ‘bombando’

(Editorial do Estadão, 05/09/2022)

 

No dia seguinte à apresentação de um Orçamento que explicitou a incapacidade de fazer valer sua principal promessa de campanha, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Executivo poderá recorrer novamente a um estado excepcional para manter o piso do Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023 sem ter de justificar o descumprimento de regras fiscais e orçamentárias. “Se a guerra continuar lá fora, continuamos em emergência aqui da mesma forma”, disse Bolsonaro. Pouco antes, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia deixado claro que compactua com o uso dessa manobra. “Se a guerra da Ucrânia continua, prorroga o estado de calamidade, e aí você continua com R$ 600”, afirmou. Diante do fato de que essa solução fabricada voltou a ser estudada, o governo, até por uma questão de coerência, precisa decidir, afinal, se o Brasil está em crise ou está “bombando”, como Paulo Guedes costuma dizer.

Com razão, o desempenho da economia tem sido motivo de comemoração por parte do governo. Guedes disse que o crescimento – de 1,2% no segundo trimestre sobre os três meses anteriores – foi maior que o registrado por Estados Unidos, Europa e China. Aproveitou para mencionar a redução da inflação; celebrar a recuperação do comércio; exaltar o avanço dos investimentos; criticar bancos que reduziram as estimativas para o Produto Interno Bruto (PIB); destacar a queda do desemprego e o aumento da renda dos trabalhadores; e negar a existência de uma bomba fiscal no ano que vem. “Contra fatos não há argumentos. Que comece o ‘mas’”, desafiou.

Se a conjunção adversativa não cabe para descrever a situação do Brasil, como defende Guedes, então o País estaria “decolando”, razão pela qual não há motivo para que ele cogite – e frise-se, precisamente no mesmo dia e no mesmo evento em que se gabou do desempenho da economia brasileira – adotar um estado de calamidade a que só se recorre em momentos de profunda crise. Se há outros fundamentos que dão amparo a esse recurso, é dever do ministro revelá-los à sociedade. É imprescindível explicar por que é preciso romper novamente o teto de gastos e desmoralizar a pouca credibilidade de que o arcabouço fiscal ainda dispõe, a não ser que isso seja apenas um pretexto para solucionar urgências eleitorais relacionadas à candidatura de Bolsonaro.

O reconhecimento do estado de calamidade pública se deu no contexto da eclosão da covid-19, por meio de um decreto legislativo aprovado em março de 2020 e que produziu efeitos até 31 de dezembro daquele mesmo ano. A ele se seguiu a emenda constitucional que instituiu o orçamento de guerra e garantiu o pagamento do auxílio emergencial. Crente de que a pandemia, cujos efeitos sempre menosprezou, estava próxima do fim, o governo deixou milhões de famílias sem socorro nos três primeiros meses de 2021. Contrariado, acatou o retorno dos pagamentos em março e, com a aprovação que ele proporcionou ao presidente, criou o Auxílio Brasil em dezembro. Em julho, o Legislativo deu aval à elevação do piso a R$ 600, mas com uma importante diferença. Era preciso driblar, além do teto, as restrições legais que impediam o governo de alterar benefícios às vésperas das eleições. Foi apenas e tão somente por isso que o Executivo invocou o estado de emergência. Sem nenhum pudor, usou a guerra na Ucrânia para justificar a adoção de medidas pautadas pelo pleito de outubro e que apenas confirmaram uma reiterada displicência com a parcela mais carente da população.

Se o governo vê no desempenho do PIB a “consolidação da retomada da atividade econômica, mesmo com os impactos do conflito do Leste Europeu e os efeitos remanescentes da pandemia”, como descreveu o Ministério da Economia em nota oficial, não pode continuar a usar uma guerra de duração imprevisível para defender um recorrente descumprimento do arcabouço fiscal e orçamentário que rege o País. Para além da incompetência administrativa e da absoluta insensibilidade com as vítimas do confronto, essa é uma narrativa que subestima a inteligência da sociedade.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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