O apito de cachorro

By | 15/09/2022 7:27 am

Agressão de um deputado bolsonarista contra Vera Magalhães é consequência direta do ataque do presidente à jornalista, que ousou lhe fazer uma pergunta incômoda

 

O deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos-SP) acossou a jornalista Vera Magalhães durante o debate entre os candidatos ao governo de São Paulo promovido anteontem pela TV Cultura. Na ocasião, disse que Vera era “uma vergonha para o jornalismo” – a mesma frase usada pelo presidente Jair Bolsonaro ao agredir a mesma jornalista durante recente debate entre candidatos à Presidência.

O episódio não serve somente para confirmar o padrão bolsonarista de desrespeito a mulheres, a jornalistas profissionais e à imprensa independente. Foi uma oportunidade para ver, na prática, como o discurso virulento de Bolsonaro se presta a atiçar seus camisas pardas a transformar palavras em ação. É a versão bolsonarista do “dog whistle”, expressão da política norte-americana que pode ser traduzida literalmente como “apito de cachorro” e que serve para definir frases do líder que são entendidas por seus seguidores como uma espécie de comando.

Assim, quando o presidente Bolsonaro ataca violentamente uma jornalista, o apito soa e essa jornalista se torna imediatamente alvo preferencial dos arruaceiros bolsonaristas. Portanto, o deputado que a agrediu não fez mais que emular seu adestrador. Esse truculento parlamentar não teria se sentido à vontade para intimidar uma jornalista, e ainda filmar sua agressão para torná-la pública como se fosse um grande feito, se seu líder, o presidente da República, já não o tivesse feito.

É por isso que aos bolsonaristas que pretendem se desvincular desse episódio, como é o caso de Tarcísio Gomes de Freitas, candidato a governador de São Paulo, não basta condenar o deputado Douglas Garcia. É preciso condenar o próprio presidente Bolsonaro, que soprou o apito. O candidato Tarcísio chamou o deputado de “idiota” e pediu desculpas à jornalista. Mas nada disse sobre a mesmíssima agressão que Bolsonaro cometeu contra Vera Magalhães.

Recorde-se que a jornalista Vera Magalhães se tornou foco dos fanáticos bolsonaristas porque fez uma pergunta que incomodou Bolsonaro durante um debate. Foi o que bastou para sua vida virar um inferno. Agressões contra jornalistas no exercício da profissão, quase sempre mulheres, tornaram-se norma desde que Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto.

Em vez de responder à pergunta – que dizia respeito à campanha de vacinação contra a covid-19 – ou até mesmo, se achasse que era o caso, contestar civilizadamente o modo como a questão foi formulada, Bolsonaro resolveu ofender Vera Magalhães em sua dignidade e profissionalismo. Eis o padrão de comportamento do presidente em relação à imprensa que não lhe presta vassalagem: um misto de agressividade e diversionismo. Diante de perguntas incômodas, Bolsonaro agride e desqualifica quem as formula, sem responder ao que foi perguntado.

Eventuais críticas ao trabalho da imprensa profissional e independente jamais serão mal recebidas em uma democracia. Os próprios jornalistas, não raras vezes, as expõem. O que é absolutamente inaceitável – e inconstitucional, vale lembrar – são agressões de qualquer natureza contra jornalistas no livre exercício da profissão.

É contraditório, mas não surpreendente, que bolsonaristas digam ser tão zelosos com a liberdade de expressão e com os preceitos constitucionais, mas não respeitem a liberdade de imprensa consagrada pela Constituição. O fato de alguém como o deputado Daniel Silveira, que faz da violência seu programa político, ser tido como um “herói” da liberdade de expressão no País por esses bolsonaristas mais empedernidos diz muito sobre a ideia de “liberdade” que Bolsonaro dissemina entre seus apoiadores.

A despeito de todas as agressões de que têm sido vítimas, jornalistas jamais deixarão de fazer as perguntas que tanto incomodam Bolsonaro. Mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder sobre as “rachadinhas”, dezenas de imóveis comprados com dinheiro vivo e cheques suspeitos depositados na conta da primeira-dama por Fabrício Queiroz, o notório faz-tudo do clã Bolsonaro, entre outras perguntas inconvenientes.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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