Bolsonaro não tem do que se queixar

By | 17/10/2022 7:10 am

Presidente reclama que o Judiciário o persegue, mas o fato é que ele faz o que bem entende na campanha, transforma a estrutura do Estado em máquina eleitoral e permanece impune

(Editorial do Estadão, em 17/10/2022)

 

Há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro disse que “a maioria” dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “não tem isenção”, pois “os caras têm lado político” – contra ele, naturalmente. Bolsonaro se queixou ainda de que, em “qualquer ação no Supremo e no TSE” contra ele e seu governo, essas Cortes superiores invariavelmente “dão ganho de causa para o outro lado”.

Mas Bolsonaro não tem do que se queixar: se ele ainda é presidente e pode até se reeleger, é porque as instituições, judiciais e políticas, não só foram coniventes com seus abusos, como muitas vezes os legitimaram.

Tivesse o Congresso cumprido seus deveres constitucionais, por exemplo, Bolsonaro teria sido cassado quando ainda era deputado, por seus frequentes atentados ao decoro e à ordem democrática. Mais impressionante, porém, é o catálogo de crimes de responsabilidade acumulados durante a Presidência e deixados impunes pelo Congresso.

O candidato “antissistema” de 2018, que conseguiu se eleger prometendo fazer terra arrasada da “velha política” – simbolizada pelo Centrão, comparado pela campanha bolsonarista a um bando de ladrões –, tornou-se rapidamente vassalo desse mesmo Centrão, que lhe garantiu a permanência no poder, a despeito das inúmeras razões para seu impeachment, e ainda alavancou sua reeleição. Sem o Centrão como inimigo, o bolsonarismo, como qualquer movimento populista, logo inventou outro: o Judiciário.

Retratados pelo bolsonarismo como ardilosos manipuladores, encerrados em seus gabinetes escuros, envoltos em suas togas sinistras, os magistrados foram apontados por Bolsonaro como a fonte de todos os problemas nacionais e, principalmente, como ameaça real à “liberdade”.

A realidade, contudo, é muito diferente do que a propaganda bolsonarista alardeia. Não foram poucas as vezes em que decisões judiciais impediram, por exemplo, que as robustas suspeitas de que a família Bolsonaro operou por muitos anos um esquema de rachadinha fossem devidamente esclarecidas.

Ademais, o Tribunal Superior Eleitoral parece mais ocupado em patrulhar as redes sociais do que em julgar ações contra o evidente abuso de poder político e econômico por parte do presidente, como nos atos eleitorais extemporâneos, a utilização do Palácio da Alvorada como núcleo de campanha e a transformação de comemorações cívicas e atos oficiais da chefia de Estado em comícios. Motivos para cassar a candidatura do presidente não faltaram.

Mais grave, contudo, é o sequestro das políticas públicas para fins eleitorais, escandaloso desvio que nem sequer está sendo abordado pela Justiça Eleitoral. Alimentada com cargos e verbas, a clientela parlamentar de Bolsonaro não só o blindou de um impeachment, como solapou a Constituição, o pacto federativo, a ordem jurídica, os marcos fiscais e a legislação eleitoral para fabricar incontáveis “pacotes de bondades” que se dissolverão ao fim do ano eleitoral. Em pleno segundo turno, o governo anuncia o perdão de dívidas, mais dinheiro para o Auxílio Brasil e benefícios extras para taxistas. À força de canetadas, o presidente transformou os contribuintes em financiadores compulsórios de sua campanha.

Assim como Bolsonaro atacava o Parlamento por fora, enquanto o corrompia por dentro, assim ele agride a Justiça Eleitoral por fora (bombardeando-a com acusações fraudulentas sobre a lisura das urnas) e a degrada por dentro (estraçalhando o equilíbrio eleitoral com o peso da máquina pública). Tudo sob o olhar dócil da Procuradoria-Geral da República.

Como parte de seu figurino antissistema, Bolsonaro hostilizou todas as instituições desenhadas para conter arroubos autoritários como os seus. Essas instituições, tão desmoralizadas pela retórica bolsonarista em razão de seu “ativismo”, na realidade se desmoralizaram a si mesmas por sua omissão ou cumplicidade. Freios e contrapesos foram estiolados, abrindo precedentes perniciosos para os demagogos do futuro.

Muito além de sanar as mazelas conjunturais legadas pelo desgoverno Bolsonaro, a pauta mais relevante da agenda pública nos próximos anos será restaurar a estrutura institucional degradada até a raiz pela razia antidemocrática bolsonarista.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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