Sem bater abaixo da cintura, Lula vence por pontos o Bolsonaro sem limites

By | 17/10/2022 9:23 am

 

(Reinaldo Azevedo, Colunista do UOL 17/10/2022)

 

Quem venceu o primeiro debate do segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), realizado por um pool que reuniu UOL, Folha, Band e TV Cultura? A resposta não é simples porque depende, na verdade, do que se quer perguntar. Se as próximas pesquisas indicarem que o atual presidente se aproxima do ex, então se dirá: “Bolsonaro” — tenha ou não sido em razão do confronto. Jamais se saberá. Se a distância aumentar, vai-se responder: “Lula” — idem, idem. Se nada acontecer, então se vai concluir que houve empate. No levantamento que a Quaest faz das redes, o petista obteve uma média de 44,5% de menções positivas, e seu opositor, de 36,5%.

Revi o debate. Acho, e creio que seja uma análise objetiva, que Lula deu, apesar de maus momentos, as melhores respostas, evidenciando mais domínio dos temas de que tratava e se comportando, vamos dizer, de um modo mais presidencial. “Ah, você não quer que Bolsonaro vença”. Não é segredo para ninguém. Hoje, ele já é danoso para a democracia. Se reeleito, é candidato a destruí-la. Mas não creio que tal consideração turve o meu juízo sobre o encontro. A vitória de Lula se deu por pontos, não por nocaute.

O petista saiu-se muito melhor do que o adversário no primeiro bloco, que começou com uma questão sobre Orçamento, feita pelo mediador, mas foi dominado mesmo pelo desempenho do governo no enfrentamento da covid-19. Não vou entrar em minudências do que disseram um e outro, mas o fato é que Bolsonaro não conseguiu defender o indefensável e foi acuado por Lula. Agressivo — e tenho dúvidas se Lula percebeu na hora –, afirmou o seguinte quando o ex-presidente informou ter perdido a sogra para a doença: “Fez discurso em cima do caixão da esposa e está se comovendo pela sogra. Sr. Lula, entenda uma coisa, Sr. Lula, entenda uma coisa, por favor: os enterros eram com caixão lacrado, ninguém podia ir ao enterro, nem familiares. E eu visitei hospitais, sim, e o senhor não tem conhecimento. Só que eu não preciso fazer propaganda do que faço. Me comovi. Me preocupei com cada morte no Brasil”.

Lula o havia acusado de não se solidarizar com famílias que perderam entes queridos para a doença e de não visitar hospitais. De fato, não fez nem uma coisa nem outra. Sem limites, referiu-se do modo como se lê acima à perda de dois familiares de seu oponente. A empatia não é, definitivamente, uma das características de sua personalidade. A superioridade do petista, no primeiro bloco, foi inquestionável.

SEGUNDO BLOCO

No segundo, ao responder a questões dos jornalistas, houve chumbo trocado, sem uma vantagem clara para nenhum dos lados, ainda que, insisto, as respostas de Lula tenham sido mais consistentes. Mas será que essa consistência realmente importa num encontro dessa natureza?

Destaque-se: ao responder à questão de Vera Magalhães sobre a ampliação do número de cadeiras no Supremo, Bolsonaro negou que esse seja seu intento se vencer, coisa em que ninguém acredita. E afirmou a seguinte pérola: “Deixo claro: o PT tem sete ministros indicados. Eu tenho dois. Caso eu venha a ser reeleito, eu tenho mais dois. Eu ficaria com quatro, e o PT com cinco”.

Para ele, presidentes da República devem buscar montar bancadas no Supremo. E afirmou que Lula só é candidato porque um ministro que seria seu aliado — Edson Fachin — resolveu anular os processos, sugerindo uma relação de compadrio. E aqui se começa a desenhar a sua superioridade em volume de jogo no terceiro tempo.

TERCEIRO BLOCO

Lula só ficou preso 580 dias em razão de uma condenação sem provas porque o Supremo, por seis a cinco, lhe negou um habeas corpus preventivo em abril de 2018, e o relator da negativa foi justamente Fachin, que Bolsonaro acusava ali de ter agido em seu favor. Dos seis votos contrários ao HC, cinco eram de ministros indicados por petistas. Dos cinco favoráveis, três eram indicações de outros presidentes, numa evidência de que os magistrados não atuaram de forma partidária.

Acompanhava Bolsonaro no debate ninguém menos do que Sergio Moro, que se reconciliou com o antigo chefe. O então juiz mandou prender Lula imediatamente após o julgamento do HC e, sete meses depois, aceitou o convite para ser ministro da Justiça. Quando Bolsonaro iniciou a sua catilinária sobre corrupção na Petrobras, repetindo uma mentira escandalosa, Lula optou por ignorar as acusações que o seu oponente fazia e por listar as conquistas de sua própria gestão na área do petróleo. Para quem se interessa pelo assunto do ponto de vista técnico, as respostas faziam sentido. Do ponto de vista político, elas me pareceram pouco eficazes.

Afinal, Moro estava lá, como parceiro de Bolsonaro. O cara que o tirou da disputa de 2018 — e o petista liderava com folga, mesmo depois de preso — era a prova viva, presente, de que a Lava Jato tinha um propósito escancaradamente político. Convenham: não é difícil de explicar, mas o ex-presidente preferiu falar um “tecnocratês” que deu vantagem a seu adversário no bloco, embora este engrolasse coisas sem sentido. Bolsonaro repetiu, por exemplo, a mentira de que os desvios na Petrobras geraram uma dívida de R$ 900 bilhões à empresa. Trata-se de uma estupidez estratosférica.

Como Lula administrou muito mal o tempo do terceiro bloco, esgotando precocemente seus 15 minutos, sobraram 5min10s ao candidato do PL para Bolsonaro falar sozinho. A sorte do petista é que Bolsonaro é Bolsonaro. Engatou lá um papo-furado sobre perseguição a cristãos e outras taras dos seus já convertidos que, parece-me, virou conversa para a bolha.

OS TEMAS ESPINHOSOS

Se Bolsonaro repete em debates a agressividade das redes, Lula parece ter feito a escolha de operar alguns tons abaixo do combate que seus aliados travam na Internet. Tenho dúvidas sobre a eficácia dessa escolha. Tocou apenas lateralmente na questão da pedofilia, por exemplo, dando ao outro a chance de ler trecho de uma decisão de Alexandre de Moraes — que, ora vejam!, foi citado em cena aberta como referência positiva –, que ordenou que o PT retirasse da propaganda eleitoral os vídeos que, afinal, apenas registravam o presidente a dizer que “pintou um clima” quando se encontrou com meninas venezuelanas de 14, 15 anos, que seriam prostitutas. Há evidências de que mentiu sobre a condição das garotas. Mas sobrou o estupefaciente “pintou um clima”. Os bolsonaristas respiraram aliviados por Lula ter pegado leve.

Embora tenha sido acusado várias vezes de conluio com aqueles que praticaram malfeitos na Petrobras, Lula citou muito rapidamente o fabuloso desempenho imobiliário da família Bolsonaro, que soma 51 aquisições, boa parte paga em dinheiro vivo. Também nesse caso, o presidente não teve de se confrontar com o seu passado. A mim, confesso, a escolha soa incompreensível. Por mais que o petista queira fazer um debate propositivo, a biografia de Bolsonaro é um problema de… Bolsonaro.

A campanha petista parece ainda pouco atenta a uma questão da maior relevância. Pesquisa Quaest indica que, em vários temas, o Brasil é, sim, muito conservador — razão por que Bolsonaro insiste em sua catilinária reacionária. Mas há um dado relevantíssimo: 73% se opõem à política ensandecida de Bolsonaro para as armas, por exemplo. E, tudo indica, está aí uma das razões por que a rejeição ao presidente entre as mulheres é muito maior. Bolsonaro, que se apresenta como um defensor incansável da vida dos que ainda não nasceram ao se referir ao aborto, parece ter bem pouco apreço pela vida dos que já nasceram — inclusive das crianças já nascidas que morrem de bala perdida.

O presidente voltou a falar ainda sobre a suposta preferência de criminosos pelo seu oponente, que optou por não lembrar quem é o candidato preferido de alguns notórios assassinos. Bolsonaro não hesitou em levar o cadáver de Marisa para o debate, mas o ex-presidente escolheu bater apenas acima da linha da cintura. Acho, reitero, que venceu por pontos. E também leva o troféu “fair play”. Entendo que, em qualquer batalha, é preciso estar atento à paridade de armas.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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