A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado foi o primeiro teste político a que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi submetido. Ainda que haja muitas fases de votação até a promulgação do texto, na etapa inaugural, o petista passou. A proposta original de sua equipe permitia a expansão de quase R$ 200 bilhões em gastos no Orçamento de 2023 e retirava as despesas do Bolsa Família do teto por quatro anos. Até o momento, financeiramente Lula perdeu pouco e, politicamente, ganhou muito, algo fundamental para sua governabilidade.
Na CCJ, Lula da Silva garantiu um aumento do teto de R$ 145 bilhões, que pode chegar a R$ 168,9 bilhões se houver receitas extraordinárias para financiar investimentos. Embora não tenha retirado o Bolsa Família do teto, o governo eleito assegurou um prazo de dois anos para a vigência da PEC, suficiente para atravessar as eleições municipais de 2024 sem ter de lidar com novos contratempos de ordem fiscal.
Na Câmara, há uma articulação para reduzir o valor aberto no Orçamento e também o prazo da PEC. Mas o fato de que o texto permite que o excesso de arrecadação deste ano ajude o governo Jair Bolsonaro a fechar as contas pode facilitar sua tramitação entre os deputados. Ademais, o Centrão tende a compor com qualquer governo, e o discurso pela aprovação da PEC atrelado a demandas sociais sempre encontra respaldo entre os parlamentares – ainda que os gastos dessas propostas sempre extrapolem tais preocupações.
Se a PEC estivesse restrita apenas ao Bolsa Família, Lula precisaria de um espaço no Orçamento de R$ 70 bilhões, considerando a manutenção do piso em R$ 600 e o valor extra de R$ 150 por criança. Qualquer espaço adicional, portanto, ficará livre para gastos e estará vinculado a solicitações da equipe de transição, mas também, segundo o texto, às comissões permanentes do Legislativo – colegiados cuja presidência é escolhida com base na composição do bloco vencedor da eleição pelo comando da Câmara e do Senado e na participação proporcional dos partidos nesses grupos.
Isso não necessariamente significa caminho fácil no Congresso para Lula nos próximos quatro anos – há muitos bolsonaristas eleitos dispostos a fazer oposição ferrenha a seu mandato na Câmara e no Senado –, mas certamente ajuda a compor uma base de sustentação. O texto da PEC da Transição revela uma tentativa do governo eleito de favorecer escolhas coletivas em detrimento de lideranças individuais na indicação das dotações orçamentárias. Se bem utilizada, a estratégia pode favorecer as políticas públicas elencadas pelo governo e reduzir a força das emendas de relator, maior símbolo da falta de comando do Executivo sobre o Orçamento.
No mundo da economia, a avaliação é diferente, tanto que alguns investidores acreditam que o Banco Central (BC) manterá a taxa básica de juros no atual patamar ao longo de todo o ano de 2023 para conter a inflação. Nesse ambiente, o sucesso do governo Lula dependerá da âncora fiscal que substituirá o teto de gastos e que ele terá de enviar ao Congresso até agosto, por meio de lei complementar. Se o texto for mantido da forma como a CCJ o aprovou, é tempo mais do que suficiente para negociar um novo arcabouço que resgate a credibilidade fiscal do País. Até lá, o que se espera é que o governo eleito entenda a necessidade de atrelar responsabilidade fiscal e social e que elabore uma regra crível e estável, que sinalize a disposição de controlar os gastos após a correção das condições que tornaram o Orçamento inexequível.
Aprovar uma âncora fiscal e mantê-la fora da Constituição é desejável, principalmente porque tal regra demandaria maioria simples no Legislativo. Há muitos outros desafios a serem negociados, principalmente projetos que favoreçam o crescimento econômico, como a sempre adiada reforma tributária. Para todos eles, a formação de uma base no Congresso é um primeiro e imprescindível passo, premissa que parece ter guiado as negociações sobre a PEC da Transição.