O que cabe ao STF no caso do Orçamento e o que cabe a Lula

By | 09/12/2022 7:11 am

Para petista, prioridade é PEC da Transição para tornar governo viável

Reinaldo Azevedo, Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”, na Folha, em 08/12/2022)

 

Reinaldo Azevedo

O chamado orçamento secreto, como poderia escrever Karl Marx em “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, “caiu da árvore do conhecimento e não da árvore da vida”. Não derivou de nenhum fatalismo oriundo da natureza das coisas, mas foi uma construção num momento notavelmente conturbado da República, em que o sistema de freios e contrapesos deixou de ter uma funcionalidade orgânica. Tudo passou a depender da vontade e disposição para a intervenção, legal ou não. Lava Jato e governo Bolsonaro nos empurraram para a tentação da entropia permanente.

O agigantamento das chamadas emendas do relator nasceu da disposição estúpida de Jair Bolsonaro e de seus pensadores de não negociar com partidos. Ainda me lembro de Paulo Guedes, com sua baixíssima tolerância para a contradita —tem sempre a convicção de um Napoleão diante do inverno russo—, a dizer que o novo governo conquistaria votos nas “bancadas temáticas”, o que denota ignorância absoluta sobre o Legislativo.

Sessão plenária do STF, que começou a analisar na quarta (7) o julgamento sobre a constitucionalidade das emendas de relator – Carlos Moura/SCO/STF

Logo depois da eleição do “Mito”, em 2018, o então futuro ministro defendia, contra a vontade de bolsonaristas graúdos, a aprovação da reforma da Previdência ainda no governo Temer. Com a clarividência habitual —”mais do que promete a força humana”, como escreveu o bardo—, disse esta maravilha: “A bola está com eles [Congresso]. Prensa neles!” Referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, momento em que o corso vira Pelé da economia, mandou ver: “Se você perguntar para o futuro ministro, ele está dizendo o seguinte: ‘Prensa neles, pede a reforma, pede a reforma; é bom para todo mundo!” Onyx Lorenzoni, já escolhido para a Casa Civil, pregava o contrário. A questão ficou para o ano seguinte.

Foi o andamento da política que permitiu ao Congresso se assenhorear de mais recursos —e, na sua raiz, gostemos ou não, estão escolhas feitas pelos brasileiros. Parece-me impróprio que um novo peso se coloque sobre os ombros já largos do STF, atribuindo-lhe a tarefa de manter ou mudar o volume de recursos da tal rubrica RP9. A distribuição e aplicação do dinheiro devem, aí sim —e esta é tarefa do tribunal—, obedecer à disciplina do artigo 37 da Constituição, o que absolutamente não acontecia. O sigilo das demandas, como havia, alimentou uma indústria criminosa, o que resta mais do que provado.

O que veio à luz (procurem detalhes) sobre uma nova disciplina na distribuição da RP9 —no papel, garantem-se transparência, eficiência e equidade— parece-me atender ao que dispõe o texto constitucional, e entendo ser esse o limite do tribunal, não devendo se arvorar em instância revisora da peça orçamentária, ainda que isso pudesse ser do nosso gosto.

E quanto a Lula? Deve se lançar de peito aberto no embate? Não. Que fique longe da questão. Tornar inviável o próprio governo, logo à partida, por uma questão de princípio, seria burrice, não nobreza de espírito. Quis a coincidência de datas que essa questão se misturasse com a votação da PEC da Transição, que tem prioridade. É o instrumento primeiro para começar a pôr ordem na herança maldita. Bolsonaro está mudo, e isso é uma bênção. Ocorre que o governo também entrou em greve. A PEC prevê um mecanismo para ajudar a fechar as contas deste ano, evidências do descalabro. “Ah, mas o volume das emendas do relator é excessivo”. Também acho. É preciso produzir um novo conhecimento para mudar essa realidade, e essa é uma tarefa da política, não do Judiciário.

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Category: Destaques

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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