(Thiago Herdy, Colunista do UOL, 22/12/2022)
Nos primeiros dias a postura foi atribuída a uma infecção na perna, mas ela já está praticamente curada e o recolhimento permanece.
“É uma postura estranha, uma incógnita para todo mundo. Não dá pra saber se ele está triste, se está bravo ou armando algo. A impressão que dá é a de que ele simplesmente jogou a toalha”, diz um ex-ministro.
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Aliados se preocupam com o presente e também o futuro: o papel da costura política e o trabalho estratégico de organização política nos bastidores não parece mesmo ser o forte do presidente, que a partir de 1º de janeiro estará pela primeira vez, em 34 anos, sem mandato.
Se quem está perto não entende o que acontece na cabeça do presidente, o jeito é recorrer aos especialistas. Quem sabe a psicanálise não sugere alguma resposta?
Desde o surgimento do fenômeno Bolsonaro nas eleições de 2018, o psicanalista e professor da USP Christian Dunker dedica parte do seu tempo a analisar o discurso e a postura pública do presidente. Nunca o teve presencialmente no divã, mas ainda assim se arrisca a formular algumas hipóteses sobre seu comportamento em final de mandato.
“Ao longo dos últimos anos, muitos entendiam Bolsonaro como sujeito perverso, manipulador, mas o que a gente via é que na verdade se tratava de uma pessoa frágil, muito limitada. A hipertrofia da masculinidade e o exibicionismo de virilidade no fundo denotavam um sentimento de inferioridade, de alguém não tão confortável com a própria condição de presidente”, diz Dunker ao iniciar sua análise.
Ele continua:
“O presidente nunca esteve confortável com a separação entre comportamento público e privado que se exige de um político. Essa fraqueza sempre foi também uma parte de sua força, ao criar efeito de estar sempre pessoalmente atingido, e por isso falando mais próximo das pessoas”.
O psicanalista lembra que a impossibilidade de voltar atrás ou admitir erro é uma característica do bolsonarismo, em especial do movimento social que o apoia. O ponto de dúvida é “estruturalmente afastado”.
Portanto, a vitória nas urnas era uma convicção, não apenas uma torcida.
“Em um sistema de crenças, é como se fosse parte do destino. Quando este sistema se confronta com a realidade, ou você tem uma correção delirante (caso do manifestante que se agarra ao vidro do caminhão) ou uma espécie de catástrofe subjetiva. ‘Isso que não consegui admitir ao longo da jornada – a possibilidade de derrota – agora me massacra, me destrói'”, simula Dunker.
O psicanalista considera a hipótese de o presidente estar vivendo um quadro de estupor – uma espécie de surpresa prolongada, que inativa o sujeito e parece deixá-lo preso ao momento do recebimento de uma má notícia.
“Aparentemente é o que ocorreu, um momento prolongado de irrealização subjetiva, de quem não é capaz de acreditar no que está acontecendo. É também o que explica os episódios de choro – você não consegue se controlar, mesmo estando em um evento público. É como se o presidente lesse no olho de cada um dos generais que ele fracassou”.
O risco deste tipo de paralisia é a geração de ações “destrutivas e impulsivas”, mas até aqui Bolsonaro optou por derrubar, em vez de insuflar, reações violentas dos descontentes com o resultado da eleição.
A celebração da família é a palavra de ordem bolsonarista. Dunker prevê tempo para Bolsonaro reencontrar “a palavra e seu discurso”. Até esse dia chegar, ele crê que a mensagem estará com seus filhos – e disponível nos canais de seus apoiadores digitais.