Parlamentares quase sempre cumprem seu papel quando chamados à responsabilidade. A nova legislatura, que começa hoje, deve exercer seu papel no fortalecimento da democracia
Os deputados e senadores que tomam posse hoje têm uma oportunidade de mostrar a relevância dos trabalhos do Congresso para o fortalecimento da democracia. Principal marco do início do ano legislativo, a eleição da Mesa Diretora que presidirá os trabalhos da Câmara e do Senado no biênio 2023/2024 é parte de um rito cheio de significados que revelam o sentido da coletividade, do interesse público e de sua relação com o Executivo.
A inédita polarização das eleições de 2022 produziu efeitos aparentemente contraditórios, mas que retratam as escolhas e a identidade da população brasileira. Se na disputa pelo Executivo o petista Luiz Inácio Lula da Silva derrotou Jair Bolsonaro por uma diferença de 2,1 milhões de votos, essa vantagem da esquerda não se repetiu no Legislativo, em que a maioria dos parlamentares tem um perfil mais conservador.
Isso não é prenúncio de uma cizânia inegociável. Congresso e Executivo não são entes imutáveis e estanques, mas o resultado de interações mútuas e contínuas. Historicamente, o Legislativo sempre elaborou leis sem invadir a prerrogativa do Executivo de definir a agenda de votações do Congresso. Da mesma forma, governos cientes do simbolismo de seus atos raramente submetem ao Legislativo propostas sem chance de obter maioria entre os parlamentares.
No governo Bolsonaro, essas funções foram deturpadas. Mas, mesmo sem a liderança do Executivo, o Congresso deu aval a avanços como a reforma da Previdência, a autonomia do Banco Central e o marco do saneamento, e impediu retrocessos institucionais ao rejeitar diversas medidas provisórias de cunho autoritário, o retorno do voto impresso e a aprovação da Escola Sem Partido. Em meio à pandemia, deputados e senadores aprovaram medidas que socorreram milhões de famílias vulneráveis no momento em que elas mais precisavam.
Assim como Bolsonaro, Lula não tem maioria parlamentar. Mas, diferentemente de seu antecessor, que a forjou com o uso de recursos do orçamento secreto, o petista apostou na construção dessa base cedendo controle de Ministérios a aliados. Dentro dessa nova dinâmica, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) são favoritos para seguirem na presidência da Câmara e do Senado, mas com competências bem mais delimitadas.
Assim, ao retomar os trabalhos, o Congresso deve fazer um profundo exame de sua atuação nos últimos anos. Chegou o momento de abandonar definitivamente as votações remotas, um expediente que teve o uso completamente extrapolado. As sessões virtuais garantiram a aprovação de diversos projetos controversos em minutos, como a legalização dos jogos de azar, algumas vezes sem que seus pareceres sequer tivessem sido publicados, como na Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC Kamikaze.
A decisão do plenário é soberana, mas as comissões são parte essencial dos debates e da construção de consensos em torno dos mais diversos temas. Estes colegiados devem ter seu papel resgatado. Isso passa pela indicação, para a presidência de seus trabalhos, de deputados e senadores cientes de sua função. Os líderes partidários precisam ser firmes para afastar congressistas radicais desses cargos e punir quem não honra o mandato com representação no Conselho de Ética. A premissa, para que os trabalhos sejam bem conduzidos, é que eles sejam pautados pelo respeito às normas do Regimento Interno, que assegura diversos instrumentos para o livre exercício da atividade da oposição.
O Congresso já deu muitas provas de que cumpre seu papel quando é chamado a assumir suas responsabilidades. É hora de preservar as conquistas do passado e impedir retrocessos, bem como avançar na aprovação das reformas tributária e administrativa, da nova âncora fiscal e da reconstrução das políticas públicas.
O País precisa de um Congresso pacificado, com uma base que abandone os interesses paroquiais, e de uma oposição responsável e republicana. Para todos os deputados e senadores, vale lembrar que o mandato parlamentar não pertence ao indivíduo, mas é a ele delegado por tempo determinado. Pelo bem da democracia, é preciso honrar essa prerrogativa.