Maquinações apatetadas ocorreram sob Bolsonaro; resta apurar o papel de cada um
(Editorial da Folha, em 02/02/2023)
A esta altura está claro que maquinações apatetadas de golpismo circularam em conversas sibilinas de autoridades federais ao menos desde que as urnas revelaram a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência.
Não bastasse a minuta de decreto subversivo encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, veio de Valdemar Costa Neto, chefão do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, a afirmação de que documentos com teor semelhante eram lugar-comum à época.
Agora o senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirma que houve tentativa de aliciá-lo para uma dessas “operações Tabajara”. Ela envolveria gravar conversas com o ministro Alexandre de Moraes e teria sido urdida diante do próprio Bolsonaro e do notório ex-deputado Daniel Silveira.
Nenhum dos dois é flor que se cheire, e a hipótese de estarem fabricando cortinas de fumaça para embaraçar as investigações não deveria ser descartada.
Silveira voltou para a cadeia nesta quinta (2), por razão aparentemente distinta da rocambolesca história de Do Val —violou requisitos da liberdade restrita que lhe havia sido imposta por Moraes.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) confirmou ter havido o encontro entre seu pai e a dupla de parlamentares, mas disse que não houve crime nenhum, e sim a tentativa de dissuadir outros participantes de praticar uma sandice. A PF ouviu Do Val nesta quinta.
Como se nota, há muito ainda a ser apurado, e é preciso que as autoridades policiais avancem com total segurança nesse vespeiro.
Durante os 60 dias entre o segundo turno e o fim do mandato de Bolsonaro, não resta dúvida de que a patuscada golpista correu pelos altos gabinetes do Executivo federal. Falta esclarecer o papel de cada um na chanchada.
Ainda que tenham ficado muito longe de derrubar a democracia —porque o Brasil do século 21 não admite quarteladas—, os aloprados que ocupavam posições de alta responsabilidade precisam ser investigados e processados pelos crimes que cometeram.
Identificar, condenar e afastar da vida pública os líderes do devaneio autoritário deveria galvanizar as energias da Procuradoria-Geral da República e da Justiça.