O reconhecimento desse novo cenário – certamente positivo – não significa ignorar os muitos e graves desafios envolvendo o Poder Legislativo e o Executivo. Basta pensar em quem ocupará a presidência da Câmara pelos próximos dois anos: o deputado Arthur Lira. A votação histórica que ele obteve na quarta-feira não significa unidade dos deputados em torno de objetivos comuns programáticos ou mesmo um compromisso coletivo para enfrentar os problemas nacionais. Sua acachapante reeleição é primordialmente resultado de sua habilidade em estabelecer relações fisiológicas com as mais variadas correntes ideológicas.
Há muito tempo não se via tanto poder concentrado numa mão só – e isso nunca é bom sinal. Neste início de legislatura, o que cabe é cobrar compromisso com o interesse público. Arthur Lira disse que sua prioridade é a reforma tributária. Conseguir aprovar um novo marco jurídico para os impostos – mais simples, mais funcional, mais distributivo, mais indutor da economia e dos empregos – é tarefa mais árdua do que alcançar a impressionante marca de 464 votos para se reeleger. Só o tempo dirá se Arthur Lira está realmente disposto a que conste, em sua biografia, esse legado ao País.
Ainda que reeleito em situação muito diferente da que se viu na Câmara, pois no Senado o bolsonarismo conseguiu a proeza de reunir votos de 32 senadores em favor da antipolítica, Rodrigo Pacheco tem desafios e responsabilidades similares aos de Arthur Lira. É tempo de especial responsabilidade. Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o Senado exerceu, em vários momentos, um papel de resistência ao negacionismo e à barbárie. Cedeu em situações delicadas – por exemplo, ao aprovar a PEC Kamikaze –, mas foi também, não se pode ignorar, contrapeso importante ao Palácio do Planalto e à própria Câmara. Agora, distanciando-se o mais possível do bolsonarismo – que a nada serve, só destrói –, o Senado tem a missão de defender a Federação, barrar eventuais retrocessos – um risco especialmente alto quando o PT está no governo – e promover as mudanças legislativas necessárias para o desenvolvimento social e econômico do País.
O novo ano legislativo é também ocasião de relembrar a responsabilidade do Executivo. A reeleição de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco, candidatos apoiados pelo Palácio do Planalto, não significa que o governo Lula tenha uma base de apoio confortável no Congresso. Observa-se, na verdade, o exato contrário. Poucas vezes se viu tamanha disparidade político-ideológica entre Executivo e Legislativo. Tal circunstância, se por um lado, demanda cuidado do Palácio do Planalto em relação à governabilidade – o que, em tese, é um aspecto negativo, pela instabilidade envolvida –, por outro, pode exercer uma função positiva, ao exigir moderação e responsabilidade do presidente da República. Mais do que slogan de campanha ou discurso de vitória eleitoral, a construção de um governo realmente amplo, desapegado dos dogmas e hábitos petistas, é condição necessária se Lula deseja fazer política: se de fato pretende governar e enfrentar os problemas nacionais.
O cenário é desafiador, mas os caminhos para a política já não estão obstruídos. Não é questão de alimentar ingenuidades, e sim de exigir responsabilidade das lideranças políticas, no Executivo e no Legislativo. Há muito a fazer e, se quiserem, elas podem realizar muito.