O jogo começou

By | 03/02/2023 7:01 am

Mais do que simples repetição dos últimos dois anos, reeleição de Lira e de Pacheco é possibilidade do resgate da política. Nessa tarefa, parte relevante da responsabilidade é de Lula

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO, em 03/02/2023)

 

Imagem ex-libris

O início de mais uma legislatura, com a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, inaugura uma nova fase na relação entre Legislativo e Executivo. Assim como ocorreu dois anos atrás, o governo federal conseguiu que seus candidatos às chefias das duas Casas Legislativas fossem eleitos. Por ironia, são exatamente os mesmos nomes apoiados, em 2021, pelo presidente Jair Bolsonaro. No entanto, as atuais circunstâncias são muito diferentes. Tem-se agora a perspectiva, que não se viu ao longo dos últimos quatro anos, de que Palácio do Planalto e Congresso queiram efetivamente trabalhar. Eis a novidade: há condições para voltar a tratar de política.

O reconhecimento desse novo cenário – certamente positivo – não significa ignorar os muitos e graves desafios envolvendo o Poder Legislativo e o Executivo. Basta pensar em quem ocupará a presidência da Câmara pelos próximos dois anos: o deputado Arthur Lira. A votação histórica que ele obteve na quarta-feira não significa unidade dos deputados em torno de objetivos comuns programáticos ou mesmo um compromisso coletivo para enfrentar os problemas nacionais. Sua acachapante reeleição é primordialmente resultado de sua habilidade em estabelecer relações fisiológicas com as mais variadas correntes ideológicas.

Há muito tempo não se via tanto poder concentrado numa mão só – e isso nunca é bom sinal. Neste início de legislatura, o que cabe é cobrar compromisso com o interesse público. Arthur Lira disse que sua prioridade é a reforma tributária. Conseguir aprovar um novo marco jurídico para os impostos – mais simples, mais funcional, mais distributivo, mais indutor da economia e dos empregos – é tarefa mais árdua do que alcançar a impressionante marca de 464 votos para se reeleger. Só o tempo dirá se Arthur Lira está realmente disposto a que conste, em sua biografia, esse legado ao País.

Ainda que reeleito em situação muito diferente da que se viu na Câmara, pois no Senado o bolsonarismo conseguiu a proeza de reunir votos de 32 senadores em favor da antipolítica, Rodrigo Pacheco tem desafios e responsabilidades similares aos de Arthur Lira. É tempo de especial responsabilidade. Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o Senado exerceu, em vários momentos, um papel de resistência ao negacionismo e à barbárie. Cedeu em situações delicadas – por exemplo, ao aprovar a PEC Kamikaze –, mas foi também, não se pode ignorar, contrapeso importante ao Palácio do Planalto e à própria Câmara. Agora, distanciando-se o mais possível do bolsonarismo – que a nada serve, só destrói –, o Senado tem a missão de defender a Federação, barrar eventuais retrocessos – um risco especialmente alto quando o PT está no governo – e promover as mudanças legislativas necessárias para o desenvolvimento social e econômico do País.

O novo ano legislativo é também ocasião de relembrar a responsabilidade do Executivo. A reeleição de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco, candidatos apoiados pelo Palácio do Planalto, não significa que o governo Lula tenha uma base de apoio confortável no Congresso. Observa-se, na verdade, o exato contrário. Poucas vezes se viu tamanha disparidade político-ideológica entre Executivo e Legislativo. Tal circunstância, se por um lado, demanda cuidado do Palácio do Planalto em relação à governabilidade – o que, em tese, é um aspecto negativo, pela instabilidade envolvida –, por outro, pode exercer uma função positiva, ao exigir moderação e responsabilidade do presidente da República. Mais do que slogan de campanha ou discurso de vitória eleitoral, a construção de um governo realmente amplo, desapegado dos dogmas e hábitos petistas, é condição necessária se Lula deseja fazer política: se de fato pretende governar e enfrentar os problemas nacionais.

O cenário é desafiador, mas os caminhos para a política já não estão obstruídos. Não é questão de alimentar ingenuidades, e sim de exigir responsabilidade das lideranças políticas, no Executivo e no Legislativo. Há muito a fazer e, se quiserem, elas podem realizar muito.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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