O rebanho de bodes expiatórios do PT

By | 09/02/2023 7:01 am

O PT governou o Brasil por 14 dos últimos 20 anos. Mas, para Lula, que fez juras de unir a Nação numa frente ampla, todas as mazelas que assolam o País são culpa dos outros

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO, 09/02/2023)

 

Imagem ex-libris

É um locus classicus: o Brasil não é fustigado por catástrofes naturais, não tem histórico de guerras internacionais nem guerras civis, e, em que pesem as cicatrizes de seu passado escravocrata, é uma democracia multiétnica e multicultural enriquecida por imigrantes de todo o mundo, que tem à disposição abundantes recursos naturais para prosperar.

Mas, apesar disso, os índices de crescimento econômico, de saúde ou educação são cronicamente medíocres. O Estado, paquidérmico e ineficiente, é um sorvedouro de recursos saqueados dia e noite por legiões de políticos patrimonialistas, clientelistas e corporativistas. A sociedade, uma das mais desiguais do mundo, está unida pelo medo à violência e dividida pela radicalização política. Refletindo as causas e sintomas desse persistente mal-estar, as últimas eleições – mesmo num cenário de desemprego elevado, indústria estagnada, inflação acelerada e contas públicas desancoradas – foram uma batalha campal cujo rastro foi um deserto de propostas jamais visto desde a redemocratização. E, em tudo isso, qual é a parcela de responsabilidade do partido que governou o País por 14 dos últimos 20 anos? Segundo seu líder máximo, nenhuma. Ao contrário, se o Brasil não é o céu na terra, é porque o inferno são os outros.

Mal esquentou a cadeira presidencial, Lula já soou o apito para que seu rebanho militante arrebanhasse seus surrados bodes expiatórios. Segundo levantamento do Estado, em um mês Lula já apelou ao menos oito vezes ao antagonismo entre ricos e pobres. A invasão às sedes dos Três Poderes, por exemplo, “foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições”. A bola da vez é o Banco Central, acusado de perseguir uma meta da inflação que não é o padrão “brasileiro”, seja lá o que isso queira dizer.

Na mitologia lulopetista, o Brasil vivia uma espiral virtuosa até o “golpe” destruir tudo. “Essa é a explicação que encontrei para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, minha prisão e as várias mentiras fabricadas contra o PT”, disse Lula a um jornal chinês. “A única explicação que posso encontrar é esta. Os Estados Unidos estão sempre intervindo na política latino-americana.”

Assim Lula estima as instituições nacionais: a imprensa, que denunciou escândalos de corrupção como o mensalão e o petrolão; a polícia, que os investigou; o Judiciário, que os condenou; o Congresso, que num processo presidido pela Suprema Corte destituiu sua criatura por crimes de responsabilidade, todos são fantoches de um grande complô do “imperialismo estadunidense”, do “capital”, das “elites” contra o “povo”, obviamente encarnado em Lula.

O PT se escandaliza com a miséria e a desigualdade, como se suas políticas econômicas negacionistas não tivessem nada a ver com a pior recessão da história recente; escandaliza-se com a corrupção, como se ela nada tivesse a ver com o sistemático aparelhamento do Estado para servir aos interesses do partido; escandaliza-se com a radicalização, como se ela nada tivesse a ver com a renitente demonização de seus adversários e críticos.

Questionado duas vezes em entrevista à RedeTV! sobre o que teria a dizer a todos que o rejeitaram nas urnas – que, somados os votos ao adversário, nulos, brancos e ausentes, representam quase 60% do eleitorado –, Lula só aludiu à “indústria de mentiras criada nesse país”. Ou seja, toda essa gente é mera massa de manobra ludibriada pela conspiração contra o PT. Logo, suas opiniões não são passíveis de conciliação, só de retificação ou retaliação.

Na verdade, o que Lula não tolera não é o empresariado, o Banco Central, a imprensa, o Judiciário, o Congresso, as massas que protestaram inúmeras vezes nas ruas; o que Lula não tolera é a insubmissão. Quaisquer parcelas da sociedade civil ou das instituições públicas que não sejam submissas ao projeto de poder hegemônico do PT já foram julgadas e condenadas pelo “tribunal da História”. Elas são culpadas de não rezar o credo petista, de não prestar genuflexão ao grande líder, e devem ser sacrificadas no altar erguido ao seu culto, como irredimíveis bodes expiatórios.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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