(Reinaldo Azevedo, no blog 83Agora, em 10/02/2023)
Quando o ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento por 90 dias de Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, houve muxoxo aqui e ali. Mormente porque o Ministério Público não havia feito tal pedido. Mais: argumentaram alguns que é o STJ, não o STF, o tribunal encarregado de processar governadores. Volto a esses pontos mais tarde.
Mensagens ao celular trocadas entre Ibaneis e autoridades de Brasília, extraídas pela Polícia Federal, evidenciam que a atuação do governador foi ainda mais deletéria do que se pensava. Repito o que afirmei no dia 8 de janeiro: deveria ter sido preso. Não foi. Mas fica evidente que não pode voltar ao cargo, Vamos ver.
Lembro que, na decisão em que afastou Ibaneis, Moraes escreveu:
“O descaso e conivência do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública e, até então, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, ANDERSON TORRES – cuja responsabilidade está sendo apurada em petição em separado – com qualquer planejamento que garantisse a segurança e a ordem no Distrito Federal, tanto do patrimônio público – CONGRESSO NACIONAL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA e SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do Governador do DF, IBANEIS ROCHA, que não só deu declarações públicas defendendo uma falsa ‘livre manifestação política em Brasília’ – mesmo sabedor por todas as redes que ataques as Instituições e seus membros seriam realizados – como também ignorou todos os apelos das autoridades para a realização de um plano de segurança semelhante aos realizados nos últimos dois anos em 7 de setembro, em especial, com a proibição de ingresso na esplanada dos Ministérios pelos criminosos terroristas; tendo liberado o amplo acesso.”
O despacho é do próprio dia 8, e ele foi afastado no dia seguinte. Convém que os inconformados comecem a perceber: Moraes sempre tem mais informações do que supõe o “antialexandrismo”. Notem ali que o ministro já destaca que Ibaneis “ignorou todos os apelos das autoridades” por um plano de segurança semelhante ao de 7 de setembro. Pois é.
PACHECO
No dia 7 de janeiro, antes do assalto aos Três Poderes, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, enviou uma mensagem a Ibaneis Rocha. Dizia o seguinte:
“Estimado governador, boa noite! Polícia do Senado está um tanto apreensiva pelas notícias de mobilização e invasão ao Congresso. Pode nos ajudar nisso? Abraço fraterno. Rodrigo”.
Ao que Ibaneis respondeu:
“Já estamos mobilizados. Não teremos problemas. Coloquei todas as forças nas ruas.”
Como se sabe, é mentira que “todas as forças tenham saído” às ruas. Como lembrou Moraes, o governador se negou a montar uma operação especial, compatível com o risco, que era evidente.
FLÁVIO DINO
Às 21h11 do mesmo dia, Flávio Dino, ministro da Justiça, envia a Ibaneis um ofício solicitando que se impedisse a circulação dos ônibus de turismo nas imediações da Praça dos Três Poderes. À 0h28 já do dia 8, Dino manda outra mensagem com informação do site Metrópoles, segundo a qual o governador havia liberado as manifestações, sem quaisquer restrições, desde que pacíficas, claro!
O ministro quer saber:
“Governador, não entendi bem qual será a sua orientação para a Polícia do DF. Onde será o ponto de bloqueio e de que forma?”
E ficou no vácuo. O governador só respondeu no dia seguinte, poucas horas antes da manifestação, repassando mensagem de Fernando de Souza Oliveira, secretário de Segurança em exercício (Anderson Torres estava na Flórida…). Conteúdo:
“Público oriundo das caravanas em torno de 2.500 pessoas. Verificou-se chegada de mantimentos (alimentos, água, material de higiene) e instalação de diversas barracas de camping e lona. Situação tranquila, no momento.”
Ele repassa também uma mensagem de áudio que recebeu de Oliveira:
“Eu passei na Esplanada e na área central ali e está tudo muito tranquilo, tudo sossegado.”
Novo áudio do secretário de Segurança em exercício, às 14h30:
“Informe do meio-dia Até agora nossa inteligência está monitorando e não há nenhum informe de questão de agressividade ligada a esse tipo de comportamento. Então esse é o último informe para o senhor. Tem aproximadamente 150 ônibus já no DF, mas todo mundo de forma ordeira e pacífica.”
Prestem atenção! Ele repassa às 14h30 um informe do meio-dia. Ainda que verdadeiro fosse, o tempo o tornava inútil.
SURREALISMO COM ROSA
Mas nada se equipara à reação de Ibaneis na conversa com Rosa Weber, presidente do Supremo.
Às 16h25, ela lhe escreve:
“Já entraram no Congresso”
Ele responde:
“Coloquei todas as forças de segurança nas ruas.”
Sabem o que o valente fez em seguida? Afirmou que estava cuidando do assunto e compartilhou com Rosa o telefone do secretário de Segurança em exercício. ISSO MESMO! Só faltou um “liga pra ele se quiser”.
Quando a canalha já depredava as respectivas sedes dos Três Poderes, aí o Ibaneis tranquilão enviou mensagem a Dino: “Vamos precisar do Exército.
Se aceita a sugestão, o governo Lula teria acabado ali. O “Plano Gold” do golpismo sempre foi este: desordem generalizada, Polícia Militar inerme ou conivente com os golpistas (vimos as duas coisas) e necessidade de intervenção das Forças Armadas.
AFASTAMENTO
Voltemos ao afastamento de Ibaneis.
Moraes justificou de maneira irrespondível o afastamento do governador. Transcrevo:
“Conforme prevê o Código de Processo Penal, somente será possível a imposição das medidas cautelares previstas no art. 319, desde que observados os critérios constantes do art. 282, que são: “necessidade” (necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais) e “adequação” (adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado).
Na presente hipótese, verifico haver necessidade de se impor medida cautelar diversa da prisão — uma vez que não houve representação da PF ou requerimento da PGR pela prisão preventiva — consistente na suspensão do exercício da função pública do agente público que teria tido, ao menos pelos elementos de prova inicialmente coligidos e amplamente divulgados, envolvimento com os fatos descritos, ainda que por omissão dolosa. Diversos e fortíssimos indícios apontam graves falhas na atuação dos órgãos de segurança pública do Distrito Federal, pelos quais é o responsável direto o Governador do Distrito Federal, IBANEIS ROCHA, dentre os quais é possível listar, até o momento, os seguintes fatos principais:
(a) os terroristas e criminosos foram escoltados por viaturas da Polícia Militar do Distrito Federal até os locais dos crimes;
(b) não foi apresentada, pela Polícia Militar do Distrito Federal, a resistência exigida para a gravidade da situação, havendo notícia, inclusive, de abandono dos postos por parte de alguns policiais;
(c) parte do efetivo deslocado para impedir a ocorrência de atos violentos não adotou as providências regulares próprias dos órgãos de segurança, tendo filmado, de forma jocosa e para entretenimento pessoal, os atos terroristas e criminosos;
(d) Anderson Gustavo Torres foi exonerado do cargo, no momento em que os atos terroristas ainda estavam ocorrendo.”
Notem: Ibaneis só não foi preso, depreende-se do despacho do ministro, porque não houve a solicitação do Ministério Público ou da Polícia. A situação do governador, parece-me, é insustentável. Ademais, é, sim, o STJ o foro para ações contra governadores. Acontece que o Inquérito 4.879, dos atos antidemocráticos — no âmbito do qual são investigados Ibaneis, Anderson Torres e outros — tramita no Supremo. Até porque a investigação de ataques ao tribunal sempre serão da competência do próprio tribunal.
A defesa de Ibaneis Rocha sustenta que o governador nem se omitiu nem agiu de modo a provocar os desastres do dia 8 de janeiro. O papel da defesa é mesmo defender e tem o meu respeito. Mas os fatos não endossam a versão.
Ibaneis até pode voltar ao cargo — já fez o pedido ao Supremo —, mas não parece plausível que escape de uma condenação.