Manduri e o Folclore Sertanejo

By | 21/02/2023 9:49 pm

 

(Damião Lucena, jornalista e historiador, no Capítulo XII, do livro Patos de todos os tempos*)

Manoel Romualdo da Costa, mais conhecido por Manduri, comerciante e ativista cultural de Patos, tornou-se conhecido nos sertões paraibanos pela verve mordaz e lucidez do seu espírito. Nasceu em 1842, no sítio Queimadas, município de Patos, hoje parte integrante do território de Santa Teresinha, como um dos filhos de Joaquim Porfírio da Costa (Seu Quinca) e Domiciana Francisca da Silva, tendo como irmãos: Joana Maria da Conceição (mãe de Coriolano de Medeiros), Maria Dolores, Vicente, Teófilo Roberto, Felicidade Perpétua, Francisca Sancha e Porfírio Higino da Costa.

Antes de adquirir a fama de folclórico, o grande referencial de Manduri fora a coragem e disposição em defender a Pátria, quando, juntamente com o irmão Porfírio da Costa, se alistou como voluntário da Guerra do Paraguai, na condição patriota de integrante da Tríplice Aliança, formada pelo seu país, a Argentina e o Uruguai. Assentou praça no 1º Batalhão da capital em 20 de abril de 1865, passando a pertencer ao 1º Corpo de Voluntários da Paraíba, saindo do Convento do Carmo às 7h, do dia 06 de maio, rumo ao Porto de Cabedelo, em cortejo acompanhado pela Banda de Música, Guarda Nacional, presidente da Província e comandante José Paulo Travassos de Andrade. De barcaça chegou ao vapor Paraná, da Companhia Brasileira de Paquetes. Após escala em Salvador, desembarcou no Rio de Janeiro, em 15 de maio. Na corte recebeu armamentos e uniformes. No dia 11 de junho seguiu a bordo do vapor “Oiapoque” e em seguida no transporte “Imperador” com destino a Montevidéu. Sua viagem, porém, seria interrompida na cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, por ter sido acometido de uma doença da época, que acabou lhe obrigando a retornar à Imperial Vila dos Patos, onde encontrou a cura. Muitos voluntários nordestinos foram acometidos de sarampo, bexiga, disenteria e febre catarral, somados ao frio do sul. Alguns chegaram a perder a própria vida, em consequência desses males.

Com o fim do sonho de defender a pátria, Manduri se estabeleceu com um comércio de estivas e cereais, vizinho ao antigo açougue da cidade, na Praça da Igreja. A bodega passou a ser, além de um espaço de sobrevivência da família, um ponto de concentração cultural, somado à condição de temperamental e folclórico, atribuída ao seu dono. As referências a Manduri estão registradas em muitos livros, dentre os quais: Paisagens do Nordeste – de Nelson Lustosa Cabral; Sempre aos Domingos – Ernani Sátyro; Retalhos do Sertão – Alício Barreto e Cidades e Homens – Celso Mariz. O escritor Leonardo Mota num capítulo do seu livro “Violeiros do Norte”, editado em 1925, recorda momentos agradáveis que passou ao lado de Manduri, no início do século XX, quando fez uma visita à cidade de Patos com o objetivo de pesquisar os cantadores e poetas de bancada da região.

O escritor Luís Wanderley Torres, no seu livro “Nordeste Pitoresco e Engraçado”, também faz referências a Manduri, comprovando o seu interesse pela poesia, nos seguintes termos: “Na loja do coronel João Olyntho, situada nos baixos de um sobrado, no Largo da Igreja, quase fronteira à cajarana do velho Melchíades, me aconselharam ir à terra do célebre Josué Romano, da Mãe D’Água. Em outras épocas esse cantador e repentista estivera preso ali em Patos, transferido da cadeia do Teixeira, por ter raptado uma donzela, com quem, no entanto, veio depois a casar. O velho Manduri (Manoel Romualdo da Costa), zombeteiro e sarcástico como ninguém, conservava uns versos desse cantador, alusivos ao fato: O Amor nunca foi crime! / Nunca vi se processar / De ninguém, por ter desejo / De se matrimoniar…/ Prendem uns, casam à força: Me prendem pra não casar!… Era de uma estirpe de cantadores, sendo o mais decantado seu pai, Francisco Romano, da famosa disputa com Inácio da Catingueira, lá dos lados do Piancó. De seu genitor, disse Josué, numa reverência comovida: Eu me chamo Josué, / Filho do grande Romano,/ O cantador mais temido / Que houve no gênero humano: / Tinha a ciência da abelha/ e a força dum oceano”.

Na tarde do dia 29 de junho de 1902, Manduri escreveu um soneto, dedicado ao seu filho Romualdo Porfírio da Costa, um músico que contraiu uma terrível enfermidade no Amazonas e morreu em Patos naquele ano, com apenas 34 anos de idade. O soneto foi descoberto pelo escritor Deusdedit Leitão e surpreendeu a cidade que não tinha notícias dos seus dotes literários:

 

Morreu meu filho, ó! Desventura,

O meu querido filho, assaz prezado,

Em um momento ó dor, vê-lo tornado

Em leve pó, na fria sepultura.

 

Descarregou a parca a foice dura

Contra o peito do meu filho ainda animado

Qual lírio que em botão se vê fechado.

Morreu meu caro filho, ó! Desventura.

 

Trata meu pranto a dor já de abafar

No coração tíbio. Ó divindade

Me poupa o triste leito ir mudar.

 

Romualdo só morreu para a humanidade

Sua alma na mansão foi desfrutar

A existência imortal, na eternidade.

 

*Quem estiver interessado em adquirir um exemplar da obra ‘Patos de todos os tempos’ pode se dirigir a Garagem Cultural, que fica na Rua Deodoro da Fonseca, nº 180, centro de Patos, ou solicitar pelo telefone em Patos (83) 98140-1462, em João Pessoa (83) 99991-2944. 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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