Fala do presidente tem grande peso na sociedade e deve ser tratada com cuidado
No Império brasileiro, os trabalhos legislativos anuais abriam-se e encerravam-se com a “fala do trono”. Não obstante a alusão à oralidade, as peças eram na verdade escritas com denodo, e seus termos, detidamente sopesados, antes da apresentação aos parlamentares.
A República livrou-se do vezo absolutista da velha tradição, mas não da centralidade do discurso para o exercício do poder pelo chefe de Estado. A palavra do presidente tem grande peso na sociedade e deveria receber melhor atenção do círculo governamental.
O improviso, decantado por seguidores seja do atual mandatário, seja do seu antecessor, costuma ser traiçoeiro e custoso. Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embananou-se com frases um tanto desconexas tratando de preguiça dos indígenas, da miscigenação como um lado bom da escravidão e dos malefícios da obesidade.
A miscigenação pode conotar um alto grau de liberdade para os indivíduos se relacionarem numa dada sociedade desde que não haja violência nem submissão, como houve durante a escravidão no Brasil. A obesidade é uma doença grave e crescente no país, embora devamos combater os preconceitos contra pessoas obesas.
Numa dessas falações sem bússola, que bajuladores aplaudem como geniais, Lula tachou de golpista o governo de Michel Temer (MDB). Dois minutos de reflexão e um texto escrito à sua frente o teriam poupado do ataque gratuito a aliados e potenciais aliados de seu terceiro mandato.
Nos juros, a oratória destampada do presidente resultou no oposto do que almejava. Queria, como aliás é o desejo geral no país, que as taxas caíssem, mas as suas ameaças à autonomia do Banco Central encareceram o crédito e postergaram a redução esperada da Selic.
A imagem do encantador de serpentes ou a do pícaro que, com a sua prosódia melíflua, convence a plateia das teses mais indigestas não combinam com o exercício da Presidência nas democracias modernas —nem com Lula, haja vista seu desempenho errático nos debates eleitorais recentes.
As responsabilidades políticas, econômicas e sociais implicadas na mensagem do governante exigem que se dê a ela tratamento profissional, protocolar e mediato. O uso mais frequente do teleprompter, o dispositivo eletrônico que mostra ao presidente o que ele de antemão se propôs a falar, faria um grande bem à República.
Comentário nosso
Tem toda razão o editorialista, um discurso preparado previamente e lido algumas vezes antes de proferi-lo evitaria algumas besteiras que são ditas de público, por mais preparado que seja o político. Se usassem discursos previamente preparados, Bolsonaro e Lula diriam muito menos besteiras do que têm dito. Claro que é mais fácil perdoar Lula que não passou de um simples mecânico, de que Bolsonaro que chegou a capitão, no Exército. O improviso sempre é perigoso. Com meus quase sessenta anos como locutor de rádio e mais de quarenta como jornalista, sempre preparo e escrevo meus programas, que redijo e reviso várias vezes para evitar dizer besteiras e me contradizer. E a maioria dos profissionais de respeito fazem isso na imprensa. Erros de redação, com problemas de concordância são comuns mas não prejudicam o contexto, mas erros de lógica ou informações erradas podem prejudicar qualquer discurso ou pronunciamento. Erros de concordância apenas dão a impressão de pouco conhecimento da língua portuguesa, assim como erros de pronúncia, como dizer gratuíto ao invés de gratuito. (LGLM)