Como a deliberação foi unânime, todos os ministros acompanharam o relator do caso, Benedito Gonçalves, sem divergências
A votação para cassar o mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) levou um minuto e seis segundos. O tempo considera desde o fim do voto do relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Benedito Gonçalves, à proclamação do resultado, na noite desta terça-feira, 16. Dallagnol perdeu o cargo por unanimidade, mas ainda cabe recurso. O ex-procurador da Operação Lava Jato foi condenado com base na Lei da Ficha Limpa.
O ministro Alexandre de Moraes presidiu a sessão e, após o voto de Gonçalves, perguntou se havia “alguma divergência”. Como não houve, concluiu o julgamento e ressaltou que a medida é de “imediata execução”. Toda a análise de duas ações que estavam postas ao crivo dos ministros durou cerca de 1h30. A Corte eleitoral é composta por sete integrantes. Dallagnol afirmou que o TSE “calou” as vozes de eleitores do Paraná e se disse indignado com o resultado. Ele classificou a decisão como uma “canetada”.
Dallagnol foi alvo de dois processos que pediram a cassação do seu mandato. Um deles é de autoria da federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), pela qual se elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, e o outro, do PMN. O atual presidente foi condenado e preso pelo ex-juiz Sérgio Moro em razão de denúncia apresentada pelo ex-procurador. Petistas comemoram a perda de mandato de Dallagnol.
A Lei da Ficha Limpa proíbe magistrados e membros do Ministério Público de lançarem candidatura se tiverem pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processos administrativos disciplinares (PADs) – a restrição vale por oito anos. Na legislação, no entanto, não há referência a outras classes de procedimentos administrativos. O ex-procurador respondia à época a reclamações administrativas e sindicâncias.
Como Dallagnol pediu exoneração da Procuradoria da República no Paraná em 2021 – quase um ano antes da eleição de 2022 –, a intenção de contornar a lei foi “cristalina” e “capciosa”, segundo o relator. “Referida manobra, como se verá, impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em seu desfavor, viessem a gerar processos administrativos disciplinares (PADs) que poderiam ensejar a pena de aposentadoria compulsória ou perda do cargo”, afirmou Gonçalves.
Outro ponto levado em consideração foi a antecedência com que Dallagnol pediu desligamento do MPF. A legislação eleitoral exige uma “quarentena” de seis meses. “O pedido de exoneração teve o propósito claro e específico de burlar a incidência da inelegibilidade”, afirmou Gonçalves. “Foram inúmeras as apurações iniciadas com esteio em indicações robustas de práticas irregulares.” Pela decisão desta terça, ele fica inelegível por oito anos.
No julgamento, houve sustentação oral do advogado Leandro Rosa. Ele afirmou que o ex-procurador teve o “cuidado” de procurar o CNMP antes de pedir exoneração e defendeu que os procedimentos administrativos pendentes na época não poderiam levar à sua demissão.
Ao Estadão, o advogado Luiz Gustavo de Andrade, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), afirmou que a decisão do TSE está em vigor. “Como se trata de decisão proferida já em grau de recurso, outros recursos propostos pela defesa de Dallagnol não têm o efeito de suspender a cassação”, disse. Segundo ele, o ex-procurador, fora do cargo, pode recorrer ao próprio TSE e também ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Repercussão
Aliados de Lula fizeram manifestações que foram de ironias com PowerPoint a versículos bíblicos. “Agora Deltan Dallagnol tem um PowerPoint para chamar de seu! Cassado!”, escreveu a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann. Por sua vez, Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, antigo colega de trabalho do ex-procurador na Lava Jato, se disse “estarrecido”.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, recorreu à Bíblia: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”, escreveu, no Twitter. Dino relembrou que, em 2010, foi o autor do projeto de lei que estendia a aplicação da Lei da Ficha Limpa para magistrados e membros do Ministério Público – dispositivo usado pelo TSE para cassar o mandato de Dallagnol.
Já Moro lamentou a perda do cargo do colega. “Estou estarrecido por ver fora do Parlamento uma voz honesta na política que sempre esteve em busca de melhorias para o povo brasileiro. Perde a política. Minha solidariedade aos eleitores do Paraná e aos cidadãos do Brasil”, afirmou o senador.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) abriu uma live para comentar o episódio. “Deixo aqui minha solidariedade ao Deltan. Não sei o que fazer. Eles monopolizaram o poder para calar nossa oposição”, afirmou. Nas redes, ele reiterou que a cassação Dallagnol seria uma manobra.
Leia íntegra da nota de Dallagnol:
344.917 mil vozes paranaenses e de milhões de brasileiros foram caladas nesta noite com uma única canetada, ao arrepio da lei e da Justiça. Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção. Mas nenhum obstáculo vai me impedir de continuar a lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro.