Uma necessária resolução moralizadora na Justiça

By | 09/08/2023 6:55 am

CNJ deve disciplinar a presença de juízes em eventos bancados por entes privados, onde grassa o conflito de interesses. A um juiz não basta ser imparcial; é preciso parecer imparcial

(Opinião do Estadão, 09/08/2023)

A ministra Rosa Weber, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), levará ao plenário do CNJ nos próximos dias uma alvissareira proposta de resolução que visa a regulamentar com mais rigor a participação de magistrados em eventos patrocinados por entidades privadas. Desde 2013, essa disciplina já existe, mas é branda, entre outras razões, por operar em uma zona cinzenta. Esses eventos com a presença de magistrados têm sido corriqueiramente tratados como colóquios acadêmicos, de modo que os juízes se sentem legal e moralmente autorizados a participar. Na prática, porém, muitos se confundem com festins entre lobistas e servidores públicos, onde abundam conflitos de interesse.

Nesse sentido, o CNJ fará muito bem ao País tanto ao aprovar, com desassombro, a proposta de resolução, antecipada pelo portal Metrópoles, como ao detalhar o que caracteriza um evento genuinamente acadêmico e o que não passa de convescote bancado por entidades privadas que têm muitos interesses em jogo circulando pelos gabinetes da magistratura em todas as instâncias do Poder Judiciário, sobretudo nas Cortes Superiores.

O fato de a mais alta autoridade judiciária do País estar pessoalmente engajada na aprovação dessa resolução expõe a dimensão da fissura que esses eventos patrocinados por entidades privadas provocam na aura de imparcialidade que está na essência da atividade judicante. Nunca é demais lembrar que a um magistrado não basta ser imparcial, de resto um atributo comezinho do ofício; é mandatório parecer imparcial, ou a própria ideia de justiça e a confiança dos jurisdicionados na solução mediada de conflitos, dois pilares das sociedades civilizadas, não serão devidamente assimiladas por todos os cidadãos.

A iniciativa da ministra Rosa Weber de regulamentar com mais apuro a participação de juízes em eventos privados coroa sua trajetória na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ às vésperas da aposentadoria compulsória. A medida vem na esteira de outras, de igual teor disciplinador, encampadas pela ministra, o que demonstra uma inabalável disposição de enfrentar, com coragem e espírito republicano, questões espinhosas no âmbito do Poder Judiciário que, exatamente por isso, há muito permaneciam intocadas – seja porque mexiam em temas sensíveis para a sociedade, seja porque tocavam na vaidade e na percepção de poder que parecem mover alguns de seus pares.

Com a tenacidade que lhe é característica, no entanto, a ministra Rosa Weber conseguiu avanços extremamente importantes no sentido de aproximar o Poder Judiciário de uma atuação mais coadunada com o que determina a Constituição. À primeira vista, pode parecer algo elementar, mas decerto não foi fácil para a presidente do STF e do CNJ vencer as resistências que se interpuseram entre ela e seus objetivos.

Um dos legados da ministra, por exemplo, é o resgate da vocação colegiada do Supremo Tribunal Federal pela imposição de limites às decisões monocráticas. Uma reforma regimental, aprovada durante sua gestão, passou a obrigar que decisões liminares dos ministros sobre questões urgentes sejam rapidamente submetidas ao colegiado, via plenário virtual. Outra mudança alvissareira foi a definição do prazo de até 90 dias para a devolução de pedidos de vista. Antes, não havia prazo algum, e qualquer ministro poderia pedir vista e relegar um processo ao esquecimento pelas mais variadas razões.

A resolução para moralizar a presença dos juízes em eventos patrocinados, caso seja aprovada, como este jornal espera que seja, é particularmente bem-vinda no momento em que a confiança dos cidadãos nas instituições republicanas, em particular no STF, tem sido abalada tanto pelos ataques dirigidos pelos inimigos da democracia como, é forçoso registrar, pelos erros que os próprios magistrados cometem ao não se comportarem à altura de suas atribuições constitucionais.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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